Métodos - U-PB

Introdução

O sistema U-Th-Pb tem sido utilizado para fornecer idades radiométricas desde a primeira metade do século passado. Trata-se, desde então, de um método em constante aprimoramento onde o contínuo avanço da capacitação tecnológica dos laboratórios tem permitido melhorias nos procedimentos analíticos com conseqüente obtenção de resultados cada vez mais precisos. A geocronologia U-Th-Pb experimentou rápidos avanços principalmente nos últimos 30 anos onde o prazo de obtenção de resultados foi diminuído drasticamente e os brancos analíticos de Pb foram reduzidos cerca de 100.000 vezes.

Nas últimas três décadas houve um grande aumento do número de laboratórios em todo mundo quando foram estabelecidos os procedimentos deste método. Nesses laboratórios foram desenvolvidas muitas técnicas analíticas, tal como ionização térmica, ionização por plasma e a microssonda iônica. Como a melhoria e o aumento do número de técnicas, novos minerais passaram a ser utilizados para datação U-Th-Pb, o que provocou novas e diversas aplicações em problemas geológicos. Estas descobertas criaram excitantes oportunidades que possibilitam a definição temporal de eventos geológicos com precisão inatingível anteriormente ao desenvolvimento do método.

O princípio do método se baseia no decaimento do U e do Th para os isótopos estáveis de Pb (Figura 1). Como visto no início deste livro, a descoberta da radiatividade do U e do Th no final do século XIX foi logo seguida da tentativa de utilizar este fenômeno para medir as idades de minerais ricos em U. Desta forma vários métodos foram desenvolvidos que utilizavam a acumulação de He e Pb com produtos naturais do decaimento do U e Th (Gottifried, et al., 1959). Entre os vários procedimentos inicialmente desenvolvidos destacam-se os métodos químicos (Pb-alfa e U-He) que se baseavam na premissa de que todo o isótopo radiogênico (Pb e He) presente em um mineral ou rocha se originava do U ou Th (Hurley, 1954; Damon, 1957). Esta premissa se demonstrou insustentável no decorrer de várias pesquisas de forma que os métodos químicos foram abandonados na década de 1960, uma vez que apenas em casos específicos tais métodos podem ser utilizados (Turekian, 1970).

Figura 1. Os três sistemas de decaimento de interesse no método U-Th-Pb.

As séries de decaimento U-Th-Pb

Três séries independentes de decaimento sustentam a aplicação deste método. O U apresenta 3 isótopos naturais: 238U, 235U e 234U sendo todos radioativos (Figura 2). O Th existe de forma primária como um único isótopo radiativo: 232Th, porém 5 outros isótopos de Th (com rápidas meias-vidas) ocorrem na natureza resultado do decaimento do 238U, 235U e 232Th.

O decaimento do 238U gera uma série de isótopos intermediários com vida curta que também apresentam propriedades radioativas (Figura 3) e conseqüentemente decaem para novos isótopos gerando a série de decaimento 238U. Desta forma, a partir do isótopo radioativo original 238U, vários isótopos instáveis são gerados subseqüentemente até a geração do isótopo estável 206Pb. Cada átomo de 238U que decai produz um átomo de 206Pb pela emissão de 8 partículas a e de 6 partículas b.

Figura 2. O isótopos de U e Th de interesse no método U-Th-Pb e suas respectivas abundâncias, meias vidas e constantes de decaimento.

Figura 3. A cadeia de decaimento do 238U para o 206Pb.

O 235U é o isótopo radiativo inicial de uma série de decaimento que apresenta isótopos intermediários de vida curta que finaliza com a geração do isótopo estável 207Pb (Figura 4). Cada átomo de 235U que decai produz um átomo de 207Pb pela emissão de 7 partículas a e de 4 partículas b.

O 232Th é o elemento radioativo inicial da terceira série de decaimento de interesse pata o método U-Th-Pb e que também apresenta isótopos intermediários radioativos de vida curta que geram, no final, o isótopo estável 208Pb (Figura 5). Cada átomo de 232Th que decai produz um átomo de 238Pb pela emissão de 6 partículas a e de 4 partículas b.

Figura 4. A cadeia de decaimento do 235U para o 207Pb.

Figura 5. A cadeia de decaimento do 232U para o 208Pb.

Apesar destas 3 séries de decaimento formarem 43 isótopos de 12 elementos intermediários e de vida curta, nenhum é membro em mais do que uma série de decaimento. Em outras palavras, cada série de decaimento produz isótopos intermediários específicos, incluindo o Pb, ao final de cada um dos decaimentos. Se um mineral ou rocha se comporta como um sistema fechado, a taxa de produção do isótopo estável no final de cada série de decaimento é igual a taxa de decaimento do isótopo radioativo do início da série de decaimento. Desta forma pode-se tratar o decaimento dos isótopos de U e Th radioativos como ocorrendo diretamente para os seus respectivos isótopos radiogênicos de Pb. Conseqüentemente cada uma dessas séries de decaimento pode ser aplicada como um sistema de datação independente (Ludwig, 1980), de forma que a abundância do isótopo radiogênico e do isótopo radioativo podem ser utilizadas para o cálculo de idades, uma vez conhecidas as respectivas constantes de decaimento.

Geoquímica do U-Th-Pb

O U e o Th são membros da chamada série dos actinídeos da tabela periódica. Por causa da sua configuração eletrônica similar Th (Z = 90) e U (Z = 92), eles apresentam propriedades químicas similares (Wedepohl, 1978). Desta forma, ambos elementos ocorrem na natureza no estado de oxidação tetravalente e seus raios iônicos são similares (U+4 = 1,05Å, e Th+4 = 1,10 Å). Conseqüentemente os dois elementos podem substituir facilmente um ao outro, o que explica a coerência geoquímica de ambos (Figura 6) em muitos ambientes geológicos. Entretanto, sob condições oxidantes, o U forma o íon uranila (UO2+2) no qual o U tem a valência +6. O íon uranila forma compostos que são solúveis em água dando uma grande mobilidade ao U em ambientes crustais notadamente os superficiais, enquanto o Th existe apenas na forma tetravalente e seus compostos são geralmente insolúveis em água. A diferença de solubilidade na forma oxidada resulta em comportamentos distintos entre o U e o Th em ambientes supérgenos.

A abundância do U e do Th em meteoritos chondríticos é 0,01 e 0,04 ppm, respectivamente. Esses valores podem ser uma indicação da baixa abundância desses elementos no manto e na crosta terrestre (Gebauer e Grunenfelder, 1979). No curso do processo de fusão parcial e cristalização fracionada de magmas, U e Th são concentrados na fase líquida e são incorporados nos produtos mais enriquecidos em sílica.. Por essa razão rochas ígneas ácidas são fortemente enriquecidas em U e Th quando comparada com rochas de composição básica ou ultrabásica.

A progressiva diferenciação geoquímica do manto superior tem resultado na concentração de U e Th em rochas da crosta continental. A concentração de U, Th e também Pb aumenta de rochas basálticas para granitos, apesar das razões Th/U e U/Pb permanecerem virtualmente constantes. As rochas graníticas são enriquecidas em Th em relação ao U provavelmente como resultado da remoção de U por soluções aquosas através do íon uranila durante os estágios finais da cristalização de magmas graníticos.

A razão Th/U em rochas sedimentares é similar a das rochas ígneas com exceção dos carbonatos, que são enriquecidos em U. Este enriquecimento, como já comentado, resulta do fato de que o U ocorre nos oceanos (ambiente supérgeno) como íon uranila que precipita nos carbonatos enquanto o Th é insolúvel em água.

Figura 6. Sumário das características geoquímicas do U e do Th.

A concentração de U e Th em minerais silicáticos formadores de rocha é uniformemente baixa, na ordem de poucos ppm. Entretanto esses dois elementos ocorrem primariamente em certos minerais acessórios nos quais podem ser os principais constituintes quanto podem ocorrer por substituição de outros elementos. Como exemplo pode-ser citar a uraninita, torianita (óxidos), zircão, torita e alanita (silicatos), monazita, apatita e xenotímo (fosfatos) e titanita (titanosilicato).

Tabela 1. Concentração de U, Th e Pb em rochas.

O método U-Th-Pb e suas respectivas isócronas  

O Pb tem 4 isótopos naturais: 208Pb, 207Pb, 206Pb e 204Pb. Como já foi dito, os três primeiros são produto do decaimento, respectivamente, do 232Th, 235Pb e 238U,. Somente o 204Pb não é radiogênico e por ter a abundância constante desde o início da Terra é utilizado como isótopo de referência.

Como nos demais métodos radiométricos, o decaimento radioativo utilizado (Steiger e Jager, 1977) é representado matematicamente por uma equação exponencial negativa do tipo N = N0 e-lt. Desta forma, ficam caracterizadas três equações para o caso estudado. Na primeira, o isótopo radioativo é o 238U que decai para o isótopo radiogênico 206Pb a uma taxa de decaimento l = 1,55125x10-10 (Figura 7 e 8). Na segunda, o isótopo radioativo 235U decai para o isótopo radiogênico 207Pb com constante de desintegração l = 9,8485x10-10 (Figura 9 e 10). A terceira equação que pode ser obtida, tem como isótopo radioativo o 232Th, como isótopo radogênico o 208Pb e como constante de desintegração l = 4,9475x10-1 (Figura 11 e 12)

Figura 7. Isócrona 206Pb/204Pb versus 238U/204Pb

Figura 8. Equação fundamental da geocronologia aplicada ao decaimento 238U para 206Pb.

Figura 9. Isócrona 206Pb/204Pb versus 238U/204Pb

Figura 10. Equação fundamental da geocronologia aplicada ao decaimento 238U para 206Pb.

Figura 11. Isócrona 232Th/204Pb versus 208Pb/204Pb.

Figura 12. Equação fundamental da geocronologia aplicada ao decaimento 238U para 206Pb.

As 3 equações podem ser resolvidas de maneira similar resultando em três idades independentes baseadas nas três séries de decaimento (Wetherill, 1966). Para tal as concentrações de U, Th e Pb são usualmente medidas por diluição isotópica e as composições isotópica de U, Th e Pb são determinadas por espectometria de massa. Estas equações podem ser utilizadas na construção de isócronas análogas às isócronas Rb-Sr e Sm-Nd. As isócronas obtidas fornecem inclinações que permitem o cálculo da idade de um grupo de amostras que se enquadre nas premissas de terem permanecido como sistemas fechados e que tenham razões isotópicas de Pb iniciais idênticas. Em geral isócronas U-Pb não apresentam resultados precisos (Sobotovich, 1961; Ulrych e Reynolds, 1966 Rosholt e Bartel, 1969 e Farquharson e Richards, 1970) primeiramente porque rochas expostas ao intemperismo químico podem perder frações significativas de U (mobilidade do íon uralita). Entretanto isócronas Th-Pb podem ser úteis por que Th e Pb podem permanecer quantitativamente imóveis, ao contrário do que acontece com o U.

Mesmo considerando-se que o procedimento efetuado tenha sido analiticamente correto e preciso, os resultados analíticos obtidos terão significado geológico somente se algumas premissas tiverem sido respeitadas.

1) O mineral se manteve fechado para U, Th e Pb, bem como para todos os isótopos intermediários das respectivas séries de decaimento durante sua história. Como por exemplo o Ra é um gás nobre resultado do decaimento do U com meia-vida de alguns dias e não pode escapar do sistema.

2) As constantes de decaimento devem ser perfeitamente conhecidas.

3) Valores corretos de isótopos de Pb iniciais devem ser utilizados para correções, isto é, subtraídos dos valores de isótopos de Pb obtidos analiticamente.

4) A composição isotópica de U é normal e não sofreu modificação por fracionamento isotópico ou pela reação natural baseada na fissão do 235U.

As constantes de desintegração de isótopos naturais de longa vida foram fixadas pela Subcomissão de Geocronologia do IUGS (União Internacional de Sociedades Geológicas) durante o 25º Congresso Geológico Internacional em Sidney (Austrália). Neste evento o trabalho de Steiger & Jager (1977) apresenta os valores ultimamente aceitos para todos os métodos geocronológicos incluindo os valores de l para o método U-Th-Pb, apresentados acima. Em adição, nesse trabalho é reportada a razão 235U/238U = 1/137,88. Este valor (constante) é utilizado por todos os laboratórios de geocronologia com objetivo de evitar erros causados pelo fracionamento isotópico durante as análises em espectrômetros de massa.

Reatores atômicos naturais

A questão sobre a abundância dos isótopos de U não pode ser totalmente simplificada uma vez que existem reais diferenças nas composições isotópicas em amostras terrestres e extraterrestres. Alguns casos têm sido reportados casos em que as razões isotópicas de U atuais apresentam diferentes valores. Como exemplo pode-se citar:

  1. O depósito de U localizado em Oklo, no Gabão (África), apresenta valores significativamente empobrecidos em 235 Nesse sentido a abundância de 235U é de aproximadamente 0,3% comparado com 0,72%, tido como U normal. Essa diferença é interpretada como resultado do consumo de 235U pelo processo de fissão induzida por nêutrons quando o depósito se tornou um reator natural de fissão há cerca de 1,8 Ga atrás (Lancelot et al, 1935; Cowan, 1976; Kuroda, 1982).
  2. A existência de meteoritos chondríticos fortemente enriquecidos em 235U foi reportado por Arden (1977). Segundo este autor algumas fases minerais resistentes ao ataque ácido apresentavam estes valores anômalos para a razão 238U/235

Felizmente para a geocronologia, reatores de fissão naturais parecem ser extremamente raros em casos de amostras terrestres. Mesmo para rochas lunares e de meteoritos, a determinação de idades pelo método U-Th-Pb é baseada no valor de 1/137,88 para as razões 238U/235U atuais.

O diagrama da concórdia

Em muitos casos as idades isocrônicas calculadas independentemente pelos métodos 238U-206Pb, 235U-207Pb e 232Th-208Pb não são concordantes. Este fato foi atribuído ao fenômeno de perda ou ganho de Pb, U e Th ou isótopos intermediários das respectivas séries de decaimento.

Aos trabalhos de Ahrens (1955) e Wetherill (1956) deve-se o conceito da curva ´´concórdia´´ que representa o lugar geométrico dos pontos de idades concordantes obtidas pelos geocronômetros 238U-206Pb e 235U-207Pb. Estes pesquisadores utilizavam estes métodos isocrônicos para datar minerais e rochas em diversas situações geológicas. No decorrer destes estudos eles perceberam discrepâncias nas idades obtidas em uma mesma rocha ou mineral. As idades eram mais discrepantes quanto mais Pb elas tinham perdido de forma que Wetherill (1957) calculou (Figura 13) para determinadas amostras qual seria a idade concordante para os cronômetros 238U-206Pb e 235U-207Pb, se não houvesse perda de Pb. Desta forma estes locais geométricos de mesma idade para os dois sistemas de decaimento foram expandidos desde a idade 0 até o início da Terra (4,6 Ga). Este lugar geométrico no diagrama 206Pb/238U versus 207Pb/235U foi denominado de concórdia, como pode ser observada na Figura 14.

Quando o mineral ou rocha a ser datado permaneceu fechado para o U e todos os seus isótopos radiogênicos, as idades obtidas pelos geocronômetros 238U-206Pb e 235U-207Pb são iguais e no diagrama 206Pb/238U versus 207Pb/235U os pontos analíticos coincidem com a concórdia. No caso em que ocorre perda de Pb os pontos analíticos quando lançados no diagrama 206Pb/238U versus 207Pb/235U não coincidem com a concórdia e são denominados discordantes. A discórdia pode ser construída através do lançamento dos resultados analíticos de diversos grãos de zircão que apresentem diferentes proporções de Pb perdido.

A partir da cristalização de um mineral podem ocorrer episódios de perda de Pb resultado, por exemplo, de intemperismo químico. A perda de Pb muda as coordenadas do ponto representado pelo sistema de tal forma que ele se move ao longo de uma reta conectando a idade do sistema (sobre a concória) e a origem do diagrama 206Pb/238U versus 207Pb/235U. Se todo o Pb radiogênico acumulado pelo sistema é perdido, o ponto representando o sistema retorna a origem. Isto significa dizer que no caso do geocronômetro U-Pb que o sistema foi totalmente homogeneizado e todo o registro de eventos anteriores é perdida. Se o sistema perde somente uma fração de seu Pb radiogênico, ele será representado por um ponto intermediário em algum lugar da reta (denominada de discórdia) e a exata posição do sistema U-Pb na discórdia depende da fração de Pb radiogênico retido. Neste caso a idade original pode ser restituída através do intercepto superior da discórdia com a concórdia.

Figura 13. Equações que podem ser utilizadas para a construção da concórdia. Neste procedimento matemático, os valores de t dos dois sistemas devem ser iguais.

Casos mais complexos ocorrem quando a perda de Pb é provocada por eventos metamórficos posteriores a cristalização do mineral ou rocha. Neste caso a reta da discórdia é construída conectando o intercepto (superior) na concórdia, representado pela idade de cristalização, e o intercepto (inferior) na concórdia, representado pela idade do evento metamórfico. Assim sendo, a posição dos resultados analíticos das amostras com perda parcial de Pb radiogênico vão estar dispostas ao longo da reta da discórdia. Tal exemplo de diagrama permite a interpretação do intercepto superior como sendo idade de cristalização e do intercepto inferior como do evento metamórfico.

A possibilidade de se construir o diagrama da concórdia baseia-se na existência de duas séries de decaimento. Este fato permite que as idades obtidas sejam corrigidas em função da perda do isótopo radiogênico de forma a que as idades obtidas através do diagrama da concórdia sejam resultado de uma calibração interna do método U-Pb. Esta possibilidade de ajuste interno para a correção da idade só é possível no método U-Pb e não é possível nos outros métodos radiocronológicos. Este diferencial provocou a preferência do método U-Pb em relação aos outros métodos e sua grande expansão entre os laboratórios de geocronologia ao redor do mundo.

Figura 14. Diagrama da Concórdia.

Concórdias alternativas

O conceito de concórdias U-Pb pode ser extendido para incluir o decaimento do 232Th combinado com o decaimento 238U ou com o decaimento 235U (Steiger e Wassemburg, 1966; Allègre, 1967). A proposta da construção da curva da concórdia baseada em um diagrama 208Pb/232Th versus 206Pb/238U resulta em uma concórdia retilínea resultado da similaridade entre as meias-vidas do 232Th e 238U. Conseqüentemente a intersecção de discórdias com esta concórdia apresenta grandes erros o que faz deste tipo de diagrama pouco favorável para seu uso em geocronologia.

Entretanto a concórdia baseada no diagrama 208Pb/232Th versus 207Pb/235U apresenta a forma parecida com a concórdia U-Pb convencional quando o 208Pb/232Th é utilizado como ordenada e 207Pb/235U como abscissa. Este tipo de concórdia tem sido pouco utilizada em pesquisas uma vez que pressupõe a utilização de traçadores de Th e U durante os procedimentos da diluição isotópica, sendo que o traçador de Th não possui uso difundido entre os laboratórios de geocronologia. Alem disso, os procedimentos de concentração deste elemento por colunas de troca iônicas não serem muito difundidas e disponíveis em muitos laboratórios.

Uma outra opção é a concórdia invertida construída a partir do diagrama 207Pb/206Pb versus 238U/206Pb (Ludwig, 1993). Este formato tem uso preferencial entre os pesquisadores que trabalham com microssonda iônica e é também conhecido como diagrama de Tera-Wasserburg. Esse diagrama apresenta a vantagem de utilizar a razão 206Pb/207Pb no eixo da ordenada, razão esta que apresenta menores erros uma vez que não utiliza no cálculo a premissa de que a razão 238U/235Pb atual ser igual a 1/137,88.

Modelos de perda de Pb

Quando um mineral ou rocha passa através da temperatura de retenção, o relógio do geocronômetro U-Pb é zerado, uma vez que após a homogeneização isotópica, supostamente estes dois elementos não serão retirados do sistema, nem suas concentrações serão aumentadas por fontes externas. Porém muitos exemplos geológicos demonstram ser comum a perda de Pb em minerais ou rochas no decorrer do tempo (Holmes, 1954). Desta forma, sabe-se que o mineral ou rocha não retém todo o Pb radiogênico gerado pelo decaimento do U e do Th. A forma como esse Pb é perdido tem sido o objeto de estudo de vários pesquisadores (Gebaur e Grunenfelder, 1979) e algumas conclusões são expostas abaixo:

1 – Modelo de difusão contínua. O diagrama da concórdia proposta por Wetherill (1955) foi rapidamente adotado pelos laboratórios de geocronologia que utilizam o método de datação U-Pb. Inicialmente Ahrens (1955) sugeriu uma perda contínua para o Pb. Este modelo foi formulado por Russel e Ehrens (1957) que ofereceram uma explicação para perda de Pb radiogênico baseada na contínua difusão de Pb através de microfissuras nos retículos cristalinos dos minerais. Como o modelo de difusão contínua tem a premissa de que U e Pb estão uniformemente distribuídos no mineral, Tilton (1960) sugeriu uma equação relacionando a difusão ao quadrado da área da superfície do grão e a idade do mineral.

2 – Modelo de perda episódica. Este é o modelo mais aceito e aplicado recentemente e foi baseado nos resultados reportados por Wetheril (1956) a partir de idades U-Pb em granitos da Rodesia de 2.300 Ma que indicam uma discórdia cujo intercepto inferior aponta para 600 Ma. Este resultado é importante, segundo Wetheril (1956), por que implica na ocorrência de um evento metamórfico de escala mundial entre 500 e 600 Ma. O conceito de perda episódica de Pb se baseia na existência de inúmeros exemplos de minerais que perdem Pb em eventos termo-tectônicos. Nestes eventos o aquecimento do mineral, que pode ser acompanhado pela passagem de fluídos hidrotermais, permite o deslocamento do Pb através do retículo cristalino do mineral hospedeiro. Nestes exemplos a perda episódica é detectada no diagrama da concórdia pelo intercepto inferior, interpretado como idade de metamorfismo regional. Neste sentido, o intercepto superior pode ser interpretado como idade de cristalização da rocha e um evento posterior seria o responsável pelo aquecimento e perda de Pb em um episódio metamórfico.

3 – Modelo da dilatação. Uma outra interpretação sobre as razões das idades U-Pb discordantes em minerais ricos em U foi proposta Goldich & Mudrey (1972). Esses autores apontaram que esses minerais sofrem danos estruturais como resultado do decaimento a do U e do Th. A quantidade de danos resultados desta radiação aumenta tanto com a idade, como também com as concentrações de U e Th nos minerais. A aparente relação entre a radioatividade dos zircões e a discordância das idades do U-Pb foi pela primeira vez demonstrada por Silver & Deutsch (1961). Esses autores postularam que os danos na estrutura do cristal levam à formação de canais que permitem a entrada de água nos cristais. Esse processo, denominado metamictização, resulta no aumento de volume do mineral e permite o escape de água juntamente com Pb radiogênico dissolvido. Esta perda de Pb pelo mineral metamictizado ocorre preferencialmente nas bordas do grãos e a correção deste viés pode ser resolvido pela análise do centro de grãos, como proposto por Krough (1972).

4 – Modelo do intemperismo químico. As rochas e minerais utilizados para datação são geralmente coletadas em afloramentos na superfície da crosta onde ocorre o intemperismo químico. Conseqüentemente deve-se considerar a possibilidade de que as idades discordantes podem ser resultado deste tipo de perda de Pb (Gebaur e Grunenfelder, 1979). Neste caso, a remoção de Pb radiogênico do cristal se baseia na percolação de soluções meteóricas. Este modelo tem como premissa que as amostras atingidas pelas soluções meteóricas e que tenham perdido Pb radiogênico por esse processo apresentem uma discórdia conectando o ponto representado pelo fechamento do sistema U-Pb (intercepto superior) e a origem do digrama da concórdia (idade = 0).

Técnicas analíticas

Nos últimos 30 anos, com o avanço nas pesquisas sobre o método de datação U-Pb várias técnicas foram desenvolvidas para este fim. O desenvolvimento destas técnicas se baseou principalmente na utilização de zircão, porém outros minerais foram aproveitados durante este período.

1 – Geocronologia U-Pb convencional. Esta técnica se refere aos procedimentos que envolvem a separação química do U e Pb do mineral acessório e a análise da composição isotópica destes elementos que são inicialmente purificados e posteriormente analisados em um espectrômetro de massa por ionização térmica de fonte sólida. Entretanto os procedimentos da geocronologia U-Pb convencional tem mudado dramaticamente nas últimas décadas. No início desta técnica, frações de zircão eram fundidas com tetraborato de Na e depois dissolvido em HCl + HF + ácido perclórico. Uma vez dissolvido, um preciptado de Pb era obtido com a mistura com cidrato de amônio e cianeto de potássio. Um precipitado de sulfeto de chumbo era finalmente obtido através da adição de H2S. O problema fundamental deste procedimento é que o branco analítico de Pb excedia a 100 ng.

Um grande avanço técnico foi a introdução da decomposição hidrotermal do zircão usando cápsulas de Teflon e a separação de U-Pb através de resinas de troca iônica (Krogh, 1973). Nestas cápsulas fechadas o zircão é dissolvido por uma mistura de HF – HNO3 numa proporção de 15:1 a uma temperatura de 220ºC por um período entre 24 e 72h. Este procedimento resultou na redução do branco analítico de Pb para cerca de 450 pg. Melhorias adicionais nos procedimentos químicos, incluindo miniaturização de recipientes e redução da quantidade de reagentes (Krough, 1982b), permitiu a redução do branco analítico de Pb a valores inferiores a 10 pg. Outra importante modificação nos procedimentos do método U-Pb convencional foi um aspecto de eficiência de ionização de Pb através do uso de sílica gel e ácido fosfórico (Parrish, 1987) no processo de ionização térmica no espectrômetro de massa de fonte sólida.

A importância dos baixos brancos de Pb na geocronologia U-Pb convencional permitiu a análise de grãos de zircão individualmente (Allègre et al, 1974; Scharer e Alègre, 1982; Corfu, 1988) e o conseqüente aumento do potencial interpretativo do método. Uma dificuldade encontrada no método U-Pb convencional é a discordância (em relação à concórdia) das análises que aumentam potencialmente a falta de exatidão das idades obtidas. Um passo gigante em direção a eliminação das análises discordantes foi a introdução do processo de abrasão (Krough, 1982). Nesse procedimento o grão é colocado em um recipiente no qual é injetado ar de forma que, através de colisões, o grão perde as suas bordas sucessivamente quando abradado por algumas horas. Como resultado, obtém-se o núcleo do grão onde o Pb radiogênico permanece inalterado pelos processos de difusão (que provocam perda de Pb por difusão contínua, dilatação e intemperismo , como visto acima) cuja análise resulta em pontos mais próximos da concórdia. Krough (1982) demonstrou que o aumento do período de abrasão dos grãos analisados resulta em análises mais concordantes, aumentando a precisão das idades obtidas.

As recentes melhorias nos detectores dos espectrômetros de massa contribuíram de forma definitiva para o sucesso do método U-Pb convencional. Os efeitos combinados da (i) melhoria da ionização térmica, (ii) baixos brancos analíticos de Pb, (iii) diminuição da discordância e (iv) aumento da sensibilidade dos detectores dos espectrômetros de massa permitem a obtenção de idades precisas (abaixo de 1% de erro) em pequenas frações de zircão. Estudos recentes sobre a perda de U e Pb em zircão são apresentados por Mattinson, (1994), Corfu (2000) e Davis e Krough (2000) que comprovaram as informações reportadas pelos pesquisadores anteriores (da década de 1950 e 1960). Uma inovação foi apresentada por Mattinson (2001) que identificou porções de cristal de zircão com diferentes proporção de perda de Pb, de forma que as idades U-Pb deveriam ser apresentadas na forma de espectro da mesma forma que os diagramas (de idades versus Ar liberado) do método Ar-Ar.

2 – Microssonda iônica. A aplicação de analisadores de massa conjugados com microssonda iônica para datação U-Pb é uma inovação recente. Este instrumento fornece análises in situ da superfície de um mineral e aplicado para a geocronologia U-Pb tem o potencial de evitar problemas com análise de zircões zonados (com idades diferentes entre borda e núcleo), na preparação química da amostra e por não ser uma técnica destrutiva. A amostra é bombardeada com um feixe de íons focado em um ponto da amostra com até 20mm de diâmetro (Compston et al., 1984; Foude et al., 1983). Esse bombardeamento provoca a volatização da superfície do mineral sendo uma fração desse material eletrostaticamente ionizado enviado a um espectrômetro de massa de duplo foco.

Os primeiros estudos utilizando microssonda iônica reportavam idades 207Pb/206Pb com precisão de aproximadamente 0,1%. A descoberta da correlação entre os valores de UO+/U+ medido com a concentração de U na amostra permitiu a determinação de razões U/Pb e também de idades U-Pb por este método. Um grande avanço na datação U-Pb por microssonda iônica foi o desenvolvimento do SHRIMP (Sensitive High Resolution Íon Micro Probe) pela Universidade Nacional Australiana. A construção deste equipamento começou em 1977 e foi planejado para combinar alta sensibilidade com alta resolução de massa através do uso de um ímã de grande dimensão. O maior problema a ser resolvido na época era representado pela interferência nos detectores causada pala presença de partículas de massa iguais aos dos isótops de interesse (Hilton e Long, 1979). Os pesquisadores australianos construíram um equipamento que promovia a eliminação dos isótopos interferentes, o que permitiu a obtenção de análises no tempo de 20 minutos, tempo muito inferior ao necessário para se obter um resultado pelo método U-Pb convencional. Porém é importante observar que as análises obtidas pelo SHRIMP apresentam resultados menos precisos do que o obtido pelo método U-Pb convencional. Como conseqüência da incerteza das análises realizadas por SHRIMP que são apresentadas com erros calculados por 1 s, enquanto que os erros comumente reportados nos estudos com o método U-Pb convencional, apresentam erros calculados com 2 s de precisão. Por outro lado, as vantagens do método de datação U-Pb usando SHRIMP permitem um maior potencial interpretativo devido ao zoneamento dos grãos de zircão e tem permitido a obtenção das idades mais antigas no planeta, como as idades de 4,40 Ga reportadas por Wilde et al. (2001).

3- ICP-MS-LA. Análises U-Pb por espectrometria de massa de plasma induzido e abrasão por laser (ICP-MS-LA) foram pela primeira vez utilizadas em 1985 e tem sido uma importante ferramenta analítica para a geociências desde então (Feng et al. 1993). Esta técnica tem sido desenvolvida na sua maioria por pesquisadores da área de ciências da terra, principalmente em função da sua aplicação em amostras geológicas e muitas das importantes renovações na técnica foram desenvolvidas em universidades por departamentos de geologia (Machado e Gauthier, 1996). Como por exemplo, a otimização do comprimento de onda da radiação laser, a ótica do feixe de laser e o aprimoramento da câmera do porta-amostra visando o estudo de minerais e rochas.

Historicamente, este desenvolvimento teve que esperar a construção de equipamentos como multicoletores e separadores magnéticos, entre outros. Com a atual disponibilidade desses equipamentos, os geólogos estão usando o ICP-MS-LA para fazer medidas de composição isotópica não só em cristais individuais como também em partes destes minerais na escala de poucas dezenas de microns. Será fascinante testemunhar como essas novas informações mudarão a maneira com que geólogos compreendem a tectônica, magmatismo, metamorfismo e sedimentação em um futuro muito próximo.

Entretanto, mesmo com todas as novas possibilidades de aplicação, como toda ferramenta analítica, o ICP-MS-LA tem suas limitações. O problema fundamental com esta técnica é o fracionamento entre isótopos de um mesmo elemento e entre o U e o Pb que resultam em razões 207Pb/206Pb, 207Pb/235U e 206Pb/238U diferentes das verdadeiras. Alguns dos parâmetros que influenciam estas razões estão relacionados com a preparação da amostra e com as condições analíticas. Para minimizar o fracionamento isotópico, várias estratégias têm sido sugeridas, entre elas a utilização de um padrão externo previamente datado pelo método convencional.

A datação de zircão pela radiação laser tem feito progressos consideráveis nos últimos anos em parte devido a disponibilidade de lasers emitindo no espectro ultravioleta curto e de espectrômetros de massa providos de multicoletores. No entanto, a generalização desta técnica tem sido obstruída por vários problemas relacionados com a natureza do sistema U-Pb. No entanto os resultados são altamente promissores, com qualidades comparáveis aos obtidos por microssonda iônica. No atual estágio de desenvolvimento, a determinação de idades U-Pb por ICP-MS-LA tem um impacto maior em estudos de proveniência de sedimentos.

4- O método Kober. Um outro método de análise de zircão monocristal sem prévio tratamento químico foi apresentado por Kober (1986 e 1987). Esta técnica mede a razão 207Pb/206Pb de um zircão utilizando um filamento de Re duplo, no qual um cristal de zircão é preso em uma depressão no primeiro filamento na forma de canoa, que é aquecido em uma sequência de passos para evaporar o Pb que se precipita em um outro filamento frio justaposto paralelamente ao primeiro. Após cada aquecimento, o filamento em canoa é esfriado e o segundo filamento é então aquecido para ionizar o Pb que é então separado isotopicamente em um espectrômetro de massa de fonte sólida e medido em detector tipo Daly.

Esta técnica tem sido aplicada com sucesso nos últimos anos apesar de determinar somente a idade 207Pb/206Pb, uma vez que não se obtém os dados necessários para o uso do diagrama da concórdia. Os resultados analíticos do método Kober são comparáveis com outros métodos como por diluição isotópica e o SHRIMP em casos específicos onde não houve perda de Pb pelo zircão. O método Kober se baseia no princípio de que o sistema U-Pb evolui nos domínios cristalinos de um grão de zircão como um sistema fechado. Como resultado, as razões 207Pb/206Pb dos domínios cristalinos apresentam uma idade concordante. Em contraste, a perda de Pb, responsável pelas idades discordantes, pode ocorrer em porções metamictizadas, inclusões, fraturas e bordas de grão. Para resolver o problema de perda de Pb, o método Kober promove a análise de sítios mais retentivos do cristal ao atingir altas temperaturas que permitem a evaporação de sítios do grão de zircão com mínima perda de Pb.

Os resultados analíticos são corrigidos para Pb comum, utilizando-se proporção isotópica do Pb determinada por Stacey & Krammers (1975) segundo o modelo de dois estágios (apresentado no próximo capítulo). A idade é calculada para cada fase de aquecimento (bloco) e todos os resultados são apresentados em um diagrama de idade versus bloco. O diagrama resultante mostra a evolução das idades em função do aquecimento contínuo e quando não há perda de Pb, e as idades formam um plateau que pode ser interpretado como idade de cristalização do grão de zircão. 

Minerais utilizados na datação U-Th-Pb

O principal mineral de aplicação para o método U-Pb é o zircão, porém, os avanços tecnológicos da espectrometria de massa acompanhados de novas técnicas laboratoriais têm permitido a utilização de outras fases minerais como monazita, perovskita, titanita, badeleita e rutilo, entre outros (Tabela 2). Um outro importante motivo da utilização destes minerais (além do zircão) são as valiosas informações concernentes a idade do magmatismo, metamorfismo e mineralização que eles podem fornecer. Estas possibilidades decorrem do fato de que cada mineral apresenta uma temperatura de congelamento do sistema U-Th-Pb (Dodson, 1973), como pode ser observado na Tabela 2.

Para ser utilizado por este método geocronológico, o mineral precisa apresentar características como alta concentração em U (Tabela 3), baixa ou nenhuma concentração de Pb e retentividade desses elementos para a minimização do processo de difusão e perda dos mesmos. Quando se avalia a utilidade de um mineral rico em U para a geocronologia U-Pb outro fator importante é a quantidade de Pb comum incorporado no mineral durante a cristalização. A porcentagem total de Pb comum relativo ao Pb total reflete a quantidade de Pb inicial incorporado durante a cristalização do mineral, além da quantidade de U e da idade de cristalização. Nesse sentido, quanto maior a quantidade de U e maior a idade de cristalização, maior será a quantidade de Pb radiogênico.

Quando minerais com uma grande proporção de Pb comum (em relação ao Pb radiogênico) são analisados, a correspondente incerteza na idade aumenta, decorrente da incerteza da composição isotópica de Pb inicial. A composição isotópica do Pb comum pode ser estimada a partir dos modelos de evolução isotópica de Pb na Terra conforme os modelo propostos por Stacey & Kramers (1975) ou Cummings & Richards (1975). Uma outra forma de estimar a composição isotópica do Pb comum na época de cristalização do mineral ocorre quando há disponibilidade de uma fase mineral rica em Pb cristalizada a partir do mesmo magma como galena ou feldspato potássico. Estes minerais com baixa razão U/Pb mantém as razões entre os isótopos durante o tempo em função dos baixos teores de U e conseqüentemente dos baixos valores de Pb radiogênico.

Tabela 2. Composição e temperatura de bloqueio das principais fases minerais utilizadas no método U-Pb.

Mineral Composição ppm Média (ppm)
Zircão ZrSiO4 1 – 10.000 -
Badeleyita ZrO2 58 – 3.410 607 (82)
Monazita CePO4 282 – 13.730 3.803 (110)
Titanita CaTiSiO3 4 – 500 96 (237)
Rutilo TiO2 1 – 390 39 (68)
Perovskita CaTiO2 21 – 348 101 (45)
Apatita CaPO4 5 – 114 33 (26)
Allanita CaFeAl2SiO8 130 – 600 288 (12)
Xenotimo YPO4 5.000 – 29.000 17.000 (6)

Tabela 3. Principais minerais utilizados no método U-Pb (Rogers e Adams, 1969).

Zircão

O zircão (Figura 15) é o mineral mais comumente utilizado na geocronologia U-Pb principalmente em função da sua grande distribuição, e diversidade de tipos de rochas. Em adição, o zircão aceita facilmente a entrada de U no seu retículo cristalino em substituição ao Zr e, em contrapartida, o zircão não aceita a entrada de Pb comum, o que permite interpretar que praticamente todo o Pb presente no zircão é radiogênico resultado do decaimento do U e do Th. Para completar suas vantagens, o zircão é resistente ao intemperismo caracterizando assim um mineral ideal para a datação U-Pb em função da pouca perda de Pb por intemperismo e dilatação. As morfologias mais comuns do zircão são os cristais bipiramidais com prismas dominantes da face [100] e razão comprimento/largura de 3:1. As cores variam de rosa, amarelo, caramelo a incolor, sendo que, quando metamictizado, o zircão apresenta cor esbranquiçada e não é translúcido. Para a maioria das rochas, amostras com peso entre 10 e 20 Kg são suficientes para fornecerem zircões para análises U-Pb, porém, pode ser necessário até 50 Kg no caso de rochas de composição básica como gabros e dioritos.

A seleção de cristais de zircão sem fraturas, inclusões ou incolores demonstrou-se de grande importância para o sucesso na sua aplicação no método U-Pb. Esta criteriosa escolha de grãos límpidos permite a obtenção de idades mais concordantes e precisas. Técnicas como a da abrasão sugerida por Krogh (1982) demonstrou reduzir a discordância dos resultados analíticos, provavelmente decorrente da eliminação da borda do grão caracterizada pela maior perda de Pb.

Zonas ricas em U no interior do grão de zircão podem provocar considerável dano estrutural ao cristal e acarretar uma expansão de até 5% em volume quando o cristal atinge o estado metamictizado. A transição para o estado metamictizado usualmente ocorre quando o cristal acumula entre 1015 a 1016 decaimentos pela partícula a em um miligrama. Esta expansão diferencial entre porções de alta e baixa concentração de U causa fraturamento e torna o cristal de zircão suscetível a penetração de fluídos, alteração e eventual perda de Pb. Mais comumente, a perda de Pb ocorre nas bordas do grão de zircão, o que pode ser removido pelo processo de abrasão, de forma a diminuir a discordância.

Figura 15. Grãos de zircão magmáticos.

Badeleita

Este mineral ocorre em uma variedade de rochas máficas e ultramáficas, mas é mais frequentemente encontrado em porções intercúmulos no interior de diques e sills. A badeleíta (Figura 16) contém abundante quantidade de U (58 – 3410 ppm), baixa quantidade de Pb comum e de acordo com os exemplos reportados não experimenta perda de Pb na sua estrutura. A quantidade de U em badeleitas coletadas de kimberlitos e carbonatitos é algo menor (50 – 150 ppm) comparada com badeleitas cristalizadas em magmas máficos (<500 ppm). No caso em que badeleita e zircão ocorrem na mesma amostra, badeleita é a preferida para datação U-Pb, uma vez que, diferentemente do zircão, a herança isotópica na badeleita é extremamente rara.

A badeleita ocorre como uma fina placa de cor marrom, apresentando as vezes formas de agulha ou de lâmina. Por essas características a seperação gravimétrica da badeleita exige uma grande quantidade de amostra coletada preferencialmente na porção mais central e grosseira dos corpos intrusivos. Em adição, as porções pegmatíticas de intrusões máficas e ultramáficas tendem a ser pobres em badeleita uma vez que a alta atividade da sílica nos últimos estágios da evolução do magma define um campo de instabilidade para a sua cristalização.​

Figura 16. Grão de badeleíta envolvidos por zircão. Z= zircão; B= badeleita.

Monazita

A monazita (Figura 17) é um mineral acessório que ocorre numa grande variedade de rochas ígneas e é comum em granitos tipo S e em pegmatitos graníticos. A existência de monazita em granitóides tipo S é particularmente útel uma vez que estas rochas são derivadas de fusão parcial da crosta continental e geralmente contém zircões com herança isotópica (Copeland et al., 1988). A monazita contém grande quantidade de U (282 – 13730 ppm), alta concentração em Th (~60.000 ppm) e muito baixo teor de Pb comum. A alta concentração em U permite utilizar pequena quantidade de grãos de monazita para sua aplicação no método U-Pb. Esta feição da monazita é de grande utilidade quando é necessário determinar a idade de formação de leucossoma em migmatitos. Apesar da sua alta concentração em U e Th, monazita é raramente encontrada em estado metamictizado. Este mineral apresenta alta susceptibilidade magnética devido à abundância de elementos terra raras e é frequentemente encontrado em grãos arredondados e amarelados.

Há dois potenciais problemas com a datação U-Pb em monazita. O primeiro se relaciona à observação de que análises de monazita em rochas jovens (>200 Ma) apresentam pontos discordantes e reversos (Scharer, 1984), o que significa que, quando lançadas no diagrama da concórdia, os pontos analíticos localizam-se acima da curva da concórdia. Esse comportamento é atribuído ao excesso de 206Pb formado pela incorporação de 230Th (um produto intermediário do decaimento do 238U). Um segundo problema da datação U-Pb por monazita é a dificuldade da coleta de dados no espectrômetro de massa. Desde que a monazita contém alta concentração de Th, a quantidade de 208Pb na análise pode ser tão alta que se torna difícil a medição do pico de massa 208 simultaneamente com as outras massas necessárias para os cálculos da idade. Esta alta concentração de Th e o consequente pico de massa 208 podem provocar a saturação no coletor de espectrômetro de massa

Figura 17. Grãos de monazita.

Perovskita

Este é um mineral comum na matriz de muitos kimberlitos e rochas correlatas (lamproitos, piroxenitos, etc) e também pode ser encontrado em alguns carbonatitos. A perovskita (Figura 18) é um mineral ideal para a datação de kimberlitos uma vez que se cristaliza diretamente do magma kimberlítico, diferentemente de muitos outros minerais que são xenocristais. Os cristais de perovskita que ocorrem na matriz de rochas ultrabásicas apresentam hábito cúbico ou octaédrico e apresentam cores de amarelo a marrom escuro, podendo ocorrer também na cor laranja. Apesar do tamanho dos grãos da perovskita ser pequeno, em kimberlitos eles podem atingir até 40 – 80 m, com grãos arredondados.

Em média a perovskita contém ~50 ppm de U e significante concentração de Th (~831 ppm). Uma potencial desvantagem da datação U-Pb em perovskita é a ocasional alta concentração de Pb comum que pode exceder 80%. Para amostras jovens (>200 Ma) pode ser mais prático calcular a idade isocrônica da perovskita pelo método 238U-206Pb ou idade 206Pb/238U, caso a quantidade de Pb comum for extremamente alta. A idade aparente 206Pb/238U é menos sensível a correção de Pb comum, uma vez que o isótopo 238U é o mais abundante.

Uma segunda aplicação da datação U-Pb em perovskita é a procura de material extra-terrestre que tenha uma idade mais velha do que a idade correntemente aceita para o sistema solar de 4,57 Ga. Algumas inclusões de composição carbônica em chondritos contém minerais como anortita, piroxênio, nelilita, hibonita, espinélio e perovskita que podem representar uma das mais pretéritas fases condensadas diretamente a partir da nuvem solar. Entretanto, idades anômalas não têm sido detectadas em grãos de perovskitas dos metoritos Allende & Murchison, cujas idades obtidas por Ireland et al (1990) são de 4565 ± 34 Ma e 4569 ±26 Ma, respectivamente.

Figura 18. Imagens de MEV de grãos de perovskita.

Titanita

Este é um dos minerais acessórios mais comuns em rochas ígneas e metamórficas (Frost et al., 1998), particularmente abundante em anfibolitos. O enriquecimento de Pb radiogênico em titanitas (Figura 19) não é tão expressivo quanto nos zircões em função da menor quantidade de U, o que exige correções de Pb comum no cálculo de idades. Por outro lado, os resultados analíticos em titanitas quando lançados no diagrama da concórdia tendem a ser mais concordantes em comparação com o zircão. Quando obtida em rochas submeytidas ao metamorfismo na facie anfibolito ao granulito, a idade U-Pb em titanita podem indicar a idade do evento metamórfico.

Figura 19. Grãos de titanita.

Outros Minerais

De forma complementar aos minerais acessórios ricos em U listados acima, as análises U-Pb têm sido testadas em vários outros minerais tal como rutilo (Figura 20), xenotimo (Figura 21), granada (Figura 22), alanita (Figura 23), apatita (Figura 24), alanita, anatásio, epidoto, uraninita, etc (Oosthuyzen e Burger, 1973; Lanzirotti e Hanson, 1995; Mezger et al., 1989). Esses minerais não têm sido utilizados rotineiramente para estudos U-Pb por uma variedade de razões que incluem: (1) minerais como apatita e granada podem conter até 100 ppm de U, mas também apresentem abundante Pb comum dificultando a obtenção de idades precisas; (2) alguns minerais como torita e uraninita contem tanto U e/ou Th que seus retículos cristalinos são completamente destruídos pela radiação a, resultando em perda de Pb e extrema discordância; (3) alguns minerais como epidoto, anatásio e titanita de rochas máficas, além de granadas, tendem a ter pequenas quantidades de U (~5 ppm) (Dahl e Frei,1998); (4) alguns minerais são raros e podem ser utilizados somente em poucos exemplos de situações geológicas.

Figura 20. Grãos de rutilo.

Figura 21. Grãos de xenotimo.

Figura 22. Grãos de granada.

Figura 23. Grãos de alanita.

Figura 24. Grãos de apatita.