Espectrometria de massa

Os espectrômetros de massa são instrumentos que analisam substâncias ou elementos no vácuo, de acordo com a relação massa sobre carga eletrônica (m/e) sob a ação combinada, geralmente, dos campos elétrico e magnético. A técnica de espectrometria de massa tem sido a mais útil entre todos os instrumentais de análise geocronológica.

O desenvolvimento do espectrômetro de massa iniciou-se com a descoberta da radioatividade no final do século XIX. A primeira medição foi realizada por Thomsom que identificou dois isótopos com pesos atômicos 20 e 22 na luz néon. A denominação de espectrógrafo de massa foi utilizada pela primeira vez por Aston (1919) e Dempster (1918) em pesquisas desenvolvidas para medição das massas dos elementos da tabela periódica. A arquitetura do espectrógrafo de massa foi melhorada posteriormente na década de 1930 quando as medidas das massas dos elementos e suas abundâncias foi virtualmente finalizada. Desde então os espectrômetros de massa têm evoluído como importante ferramenta em pesquisas nas áreas de física, química, biologia e geologia.

Na década de 1940, Nier utilizou nova arquitetura permitindo a utilização do espectrômetro de massa na medição e interpretação das variações das composições isotópicas, o que permitiu um espetacular crescimento da geocronologia. Os modernos espectrômetros de massa desenvolvidos a partir do equipamento construído por Nier consiste em três partes essenciais: (1) fonte de feixe íons positivos; (2) analisador magnético; e (3) coletor de íons (Figura 15). Todas as três partes do equipamento operam em pressões da ordem de 10-6 a 10 –9 mm Hg. No começo (Duckworth, 1958; McDowell, 1963; Weichert, 1967) os detectores eram somente chapas fotográficas e os instrumentos eram chamados espectrógrafos. Nos últimos 30 anos com a evolução tecnológica dos eletrômetros, os aparelhos evoluíram e tem hoje quase que somente espectrômetros de massa.

Figura 1. Principais componentes de um espectrômetro de massa.

Como sintetizado na Figura 16, a espectrometria de massa consiste na separação das partículas conforme suas massas e cargas e medida de suas abundâncias. Uma separação segundo a massa é muito mais fácil de ser obtida com íons do que com átomos ou moléculas neutras. Desta forma os espectrômetros de massa (Figura 17) promovem a aceleração e a detecção de íons carregados (positivos ou negativos). As principais partes constituintes de um espectrômetro de massa podem ser descritos em fonte, separador, detector e registrador.

Figura 2. Sequência de procedimentos de um espectrômetro de massa.

Figura 3. Espectrômetro de massa TIMS tipo Finnigan.

Fontes

Amostras sólidas ou gasosas podem ser analisadas, dependendo da arquitetura da fonte de íons. Para análise da massa de uma amostra gasosa, como o Ar ou CO2, a amostra do gás é inserida no interior da fonte onde as moléculas são ionizadas pelo bombardeamento com elétrons. Esta ionização é obtida através da produção de um feixe de elétrons a partir de um filamento de tungstênio ou rênio à temperatura de 2000ºC e energia da ordem de 70 eV. Os íons carregados positivamente resultantes são acelerados por um campo de alta voltagem e são dirigidos à pequenas janelas de forma a serem reunidos em feixes.

No caso de amostras sólidas o sal do elemento ou o próprio elemento é depositado diretamente sobre um filamento (Tabela 3 e Figura 18) e inserido junto à fonte iônica (fonte de ionização térmica). Sob vácuo no interior do espectrômetro de massa, o filamento é aquecido através da passagem de corrente elétrica. Este aquecimento provoca a vaporização do elemento depositado gerando partículas carregadas positivamente que são aceleradas para o interior do campo eletromagnético ao passarem pelas janelas de colimação (Figura 19). Os filamentos podem ser compostos de Ta, Re ou W, Pt e Th dependendo da temperatura necessária para a ionização da amostra. Os íons resultantes são então acelerados e reunidos em feixes como no caso da amostra gasosa.

Tipo de filamento Função de Trabalho W (eV) Potencial de Ionização I (eV) Ponto de Fusão   ºC
Ta 4,12 7,98 3000
W 4,37 _ 3380
Re 4,80 7,7 3170
Pt 5,32 8,96 1769
Th 3,35 _ 1700

Tabela 1. Filamentos mais utilizados e as respectivas funções de trabalho, potencial de ionização e ponto de fusão.

Figura 4. Tipos de filamentos para uso em espectrometria de fonte sólida. (a) filamento simples; (b) filamento duplo.

Figura 5. Janelas colimadoras por onde são formados feixes paralelos de ions e sua aceleração em direção ao separador magnético.

Separadores

O feixe de íons que parte da amostra sobre o filamento atravessa o campo magnético gerado por um elétron ímã posicionado de forma que as linhas do campo magnético são perpendiculares a direção de trajetória dos íons. O campo magnético interfere na trajetória dos íons com intensidade proporcional a massa dessas partículas. As trajetórias das partículas mais pesadas são menos modificadas e em contrapartida as partículas mais leves têm suas trajetórias mais modificadas. Desta forma as partículas chegam ao final do tubo analisador separadas em função de suas respectivas massas.

O modelo de espectrômetro de massa desenvolvido por Nier é constituído por um separador cujo campo magnético é gerado por um setor magnético com deflexão do feixe da amostra de 60º. Um outro tipo é o espectrômetro de massa com separador denominado quadrupolar (Figura 21) que trata-se mais verdadeiramente de um filtro de massas. O campo magnético é produzido por quatro cilindros alimentados por correntes elétricas e dispostos paralelamente. Durante a trajetória entre os cilindros as partículas atravessam o campo magnético e os íons são separados em função de sua massa.

Figure 6. Separador eletromagnético. As amostras (partículas ionizadas são disviadas da trajetória retilínea devido a ação do campo magnético.

Figura 7. Separadores magnéticos tipo quadrupolos. O campo magnético é gerado a partir da indução de corrente elétrica nos 4 tubos dispostos paralelamente.

Detectores

Depois de separadas as partículas são captadas por copos metálicos separados do tubo analisador por pequenas janelas. Por cada uma destas janelas passam partículas de diferentes massas permitindo a determinação das respectivas abundâncias. Na arquitetura mais simples o detector é constituído por um copo de Faraday adicionado de um eletrômetro, que permite a leitura de um tipo de massa por vez. Outra arquitetura é a montagem do copo de Faraday adicionado de um multiplicador de elétrons. Uma terceira opção é a utilização do detector Daly.

O copo de Faraday (Figura 22) é o mais simples de todos e consiste em uma pequena caixa metálica aberta em uma das faces por onde penetram os íons. Esta caixa é conectada a um sensível eletrômetro capaz de medir correntes tão baixas quanto 10-16 A, o que corresponde a chegada de aproximadamente 600 íons por segundo. Este arranjo embora simples e eficiente para íons tanto positivos com negativos, apresenta um tempo de resposta longo, exigindo uma quantidade grande de amostra que dure um longo tempo de ionização.

Figura 8. Detector Faraday.

Um outro detector muito em uso é o multiplicador de elétrons (Figura 23) que é constituído por dinodos justapostos. A colisão de um íon positivo no primeiro dinodo libera de 2 a 3 elétrons secundários. Os mesmos são, por sua vez acelerados e direcionados aos dinodos seguintes dispostos adequadamente, resultando no estagio final uma corrente amplificada da ordem de 106 elétrons que é lida por um eletrômetro. Este detector apresenta vantagens como de um curto tempo de resposta (menor tempo de medição) porem baixo limite de separação de partículas de massas diferentes (por volta de 10-19 A) e não detecta íons negativos.

Figura 9. Detector onde os íons são multiplicados (multiplicador de elétrons).

Um terceiro tipo de detector denominado Daly (Figura 24) é constituído de um cintilador. Neste caso os íons positivos são desviados para um catodo aluminizado mantido a cerca de 20kV onde sob impacto são formados os elétrons secundários, que por sua vez são repelidos na direção de um cristal cintilador conectado a uma fotomultiplicadora convencional. O detector Daly assim como o multiplicador de elétrons são utilizados para medidas de isótopos com baixa abundância relativa medidos com ganho da ordem de 107. Desta forma o Daly trabalha não só como detector mas também como amplificador e pela sua alta sensibilidade é utilizado geralmente no início da análise para detectar ou localizar o feixe iônico da partícula de interesse.

Figura 10. Detector Daly. A sua aplicação permite a medida de pequenos feixes de elétros, de forma que amostras com pequenas quantidades podem ser analisadas.

As recentes gerações de espectrômetros de massa incluem detectores com até nove coletores (Figura 25) para o registro simultâneo de partículas de diferentes massas, ao contrário dos primeiros equipamentos monocoletores. Esta inovação permite um incremento na precisão dos resultados analíticos em função de se evitar flutuações do sinal da amostra resultados das instabilidades na emissão iônica. Outra importante vantagem dos espectrômetros de massa dotados de multicoletores e amplificadores é a possibilidade da análise de amostras em pequena quantidade, o que permite a minitualização dos procedimentos laboratoriais e diminuição do volume de amostra inicial a ser tratada e a conseqüente ampliação dos problemas geológicos que podem ser estudados pela geologia isotópica.

Figura 11. Geometria de multicoletor onde vários isótopos podem ser medidos simultaneamente em 8 coletores. Os detectores (i) multiplicador de elétrons e (ii) Daly permitem a medida de pequenas qauntidades de amostras. Como exemplo de geometria de detectores estão mostrados os isótopos de Sr, Nd, Pb, Ca, Th e B.

Registradores

Até o final de década de 1970 as razões isotópicas eram obtidas e calculadas através de medidas diretas, com réguas comuns, das alturas dos picos representativos de cada isótopo obtido num papel registrador comum. Hoje, com a evolução da técnica digital e dos microcomputadores, o processo é feito totalmente de maneira automática. O computador é acoplado on line aos espectrômetros de massa através de interfaces adequadas que controlam as diversas operações do equipamento. As correntes iônicas obtidas por um voltímetro digital são armazenadas e processadas posteriormente pelo computador. As razões isotópicas assim obtidas são muito mais precisas do que as obtidas através de gráficos.

Microssondas iônicas

Os diversos tipos de espectrômetros de massa descritos até aqui requerem geralmente cuidadosa separação química dos elementos ou purificação dos gases a serem analisados. O procedimento usual é utilizar alguns miligramas de amostras de rocha ou minerais adequados, seguido por procedimentos físicos e químicos padrões para separação de elementos. Esse procedimento requer no entanto alguns cuidados como o controle de contaminação durante o procedimento analítico e o controle da qualidade dos grãos ou minerais separados.

O ideal é selecionar grãos ou minerais frescos individuais e datá-los diretamente sem a necessidade dos procedimentos químicos. Esse tipo de datação é possível utilizando-se de uma microssonda iônica (Figura 26) acoplada a um espectrômetro de massa. Tais instrumentos podem servir não só para obter a composição isotópica mas também a composição química em inclusões, cristais ou em partes de cristais zonados. Cristais de zircão, por exemplo, são montados adequadamente em resina epoxy e uma pequena área do cristal é irradiada com íons (Ar, O e Ce) ou feixe de elétrons para volatilização da amostra.

Os íons positivos gerados pela interação da amostra volatilizada com os íons irradiados são reagrupados em feixes e, sob vácuo, analisados em um espectrômetro de massa constituído de 2 a 3 estágios sucessivos. Os estágios de separação das partículas são necessários uma vez que a ionização utilizada é bastante energética, originando íons com carga múltipla e de várias massas, provocando interferências isobáricas indesejáveis.

Esta é a configuração básica do SHRIMP (Sensitive High Resolution Íon Probe) que apresenta ampla aplicação tanto em datação pelo método U-Th-Pb como para análises quantitativas de elementos traços. O SHRIMP utiliza ionização por íons de oxigênio (negativo) de forma que o feixe de íons é focado na superfície da amostra coberta por uma película de ouro ou carbono. A área atingida pelo feixe corresponde a um círculo de 3 a 10 mm de raio. Os íons que são volatilizados da superfície da amostra são acelerados á energias próximas de 30 kV, de forma que os íons de uma determinada massa de interesse são separados magneticamente no primeiro dos dois espectrômetros de massa e são então acelerados por um campo eletromagnético de alguns milhões de volts. Neste ponto todas as partículas tendo a mesma massa do isótopo desejado sofrem colisão com uma superfície metálica que provoca a desintegração das moléculas nos seus constituintes iônicos monoatômicos. A mistura de íons positivos resultante é novamente acelerada e inserida no segundo espectrômetro de massa no qual são separados apenas os íons com massa desejada. No final é utilizado um detector capaz de distinguir íons isobáricos com base na sua energia, taxa de perda de energia e número de massa. Este equipamento, além da identificação permite a contagem individual dos íons, que são processados posteriormente pelo computador on line.  

Figura 12. Microssonda iônica. Corresponde a um 3 espectrômetros de massa em linha que utiliza a amostra sem tratamento químico e tem o separador magnético dividido em duas fases. Em adição, o feixe que atinge a amostra tem um tratamento especial para permitir uma abrasão homogênea. Apresenta um alto custo de fabricação (cerca de 3 milhões de dólares).

ICP-MS-LA

Análises U-Pb por espectrometria de massa de plasma induzido (ICP-MS) tem sido realizada desde a década de 1980 e tem sido uma importante ferramenta analítica para geociências desde então. Esta técnica tem sido desenvolvida na sua maioria por pesquisadores da área de ciências da terra, principalmente em função da sua aplicação em amostras geológicas. Muitas das importantes renovações na técnica como a ionização a laser foram desenvolvidas em universidades por departamentos de geologia, como por exemplo, a otimização do comprimento de onda da radiação laser, a ótica do feixe de laser e o aprimoramento da câmera do porta-amostra visando o estudo de minerais e rochas.

O desenvolvimento de análises por ICP-MS-LA (Laser Ablation ou ionização a laser) se baseou no tremendo impacto nas geociências gerado pelas técnicas de microscopia eletrônica e da espectrometria de massa por ionização termal. A habilidade de medir a composição química e isotópica de um mineral in situ permitiu a elaboração de novas questões sobre os processos geológicos. O impacto das análises por ICP-MS-LA em petrologia ígnea e metamórfica, em particular, tem sido imediata e significante o que tem permitido também importantes avanços em estudos de depósitos minerais e ambientais.

A técnica do ICP-MS-LA envolve a volatilização da amostra ou de parte dela por um feixe de laser seguido de ionização por um plasma de Ar e a medida das razões isotópicas por um espectrômetro de massa. O passo inicial correspondente a volatilização da amostra e é a fase com maior variação de parâmetros. O tamanho do grão influencia na intensidade do sinal na medida em que grãos maiores podem ser analisados com feixes de laser mais largos e grãos menores exigem a diminuição da largura do feixe de laser, diminuindo a intensidade do sinal a ser medido. Em adição, outras características da amostra que influenciam nos procedimentos analíticos tem haver com a concentração de U e a idade do mineral, de forma que quanto maior a concentração de U e a idade da amostra, maior será a intensidade do sinal de Pb a ser medido.

Outros parâmetros importantes variam em função do tipo de laser utilizado. Idealmente, para análises de amostras geológicas, a interação do laser com a matéria deveria estar limitada a transferência de energia para o sólido de forma a quebrar as ligações iônicas e liberar as espécies atômicas ou moleculares. Entretanto a interação laser-sólido envolve uma série de efeitos físicos e químicos dependendo do comprimento de onda, intensidade, foco e duração do feixe de laser.

O plasma induzido (ICP) tem sido reconhecido como uma boa fonte de íons (Figura 27), com algumas escolhas de parâmetro possíveis. A facilidade de ionização de uma amostra por ICP ocorre uma vez que a temperatura alcança por volta de 8.000 K, equivalente a temperatura da superfície do sol. A maioria dos elementos litófilos, calcófilos e siderófilos podem ser ionizados próximos de 100% através dessa técnica. A geração do plasma se dá pela queima de um gás (geralmente Ar) injetado sob pressão num ambiente a vácuo. A amostra volatilizada pelo laser é acelerada na direção do plasma que é então enviada ao separador magnético.

Figura 13. Esquema de um espectrômetro de massa com indução por plasma (ICP-MS). Neste equipamento a amostra depois de volatilizada passa por uma chama (plasma) de alta temperatura que permite a sua completa ionização.

O separador magnético tipo Sector foi historicamente o primeiro a ser utilizado no ICP-MS-LA. Atualmente outros separadores têm sido adaptados e utilizados, entre eles o analisador eletrostático (que funciona como um filtro de energia), o quadrupolo (constituído por barras metálicas que ao serem submetidas a correntes elétricas geram campos magnéticos no seu interior) , e o espectrômetro por tempo vôo (onde elétrons são acelerados por campo elétrico intermitente).

Os detectores utilizados no ICP-MS-LA podem ser do tipo Faraday, Daly ou multiplicadores de elétrons. O desenvolvimento dos diversos tipos de ICP-MS-LA se dá atualmente pela melhor adequação entre os diversos constituintes acima descritos. Uma esperança na evolução futura do ICP-MS-LA é que ele alcança os níveis de alta resolução atingidos pelo SHIRIMP.