Métodos – Lu-Hf

Introdução

Os elementos Lutécio (Lu) e Háfnio (Hf) foram identificados como um método geocronológico inicialmente por Herr et al (1958) que efetuaram a primeira datação a partir do mineral gadolinita com altas concentrações de Lu e Hf. Importante contribuição foi realizada por Boudin e Dutsch (1970), além de Owen (1974) e Owen e Faure (1974) com as primeiras aplicações do método para datação de rochas e estimativas da taxa de decaimento. O método foi desenvolvido mais recentemente e com sucesso pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos pelos pesquisadores P.J. Patchett e M. Tatsumoto no início da década de 1980. A maior dificuldade encontrada para a aplicação do par Lu-Hf para datação de rochas foi a separação e concentração destes elementos para realização de análises espectrométricas. O procedimento desenvolvido por Pactchett e Tatsumoto (1980) permitiu a purificação e melhor ionização destes elementos e a consequente entrada em rotina do método de datação em diversos laboratórios isotópicos. Outro importante aspecto para o sucesso da aplicação deste método foi o desenvolvimento de análises isotópicas por laser ablasion acoplados a espetrômetros de massa com multicoletores, uma vez que a eliminação da necessidade da utilização da técnica de diluição isotópica permitiu evitar os problemas de purificação destes elementos e as consequentes interferências de outros elementos nos detectores. A substituição da ionização térmica pela do plasma permitiu também resolver a baixa taxa de ionização do Lu, uma vez que este elemento exigia altas temperaturas (para uma boa ionização), temperaturas estas maiores do que suportam os filamentos utilizados nos outros métodos geocronológicos em rotina nos laboratórios.

O Lu pertence a fámilia dos lantanídeos, fazendo parte do grupo dos elementos terras raras pesados. Ele apresenta dois isótopos (175Lu e 176Lu) com abundâncias (Figura 1) respectivas de 97,4% e 2,6%. O 176Lu apresenta decaimento duplo, para 176Hf (por decaimento b) e para 176Yb (por captura de elétron), este último em uma quantidade que pode ser negligenciada para os cálculos de idade. O Háfnio apresenta os seguintes isótopos: 174Hf, 176Hf, 177Hf, 178Hf, 179Hf e o 180Hf que somados, definem 100% da abundância do elemento. A taxa de decaimento (g) do 176Lu para o 176Hf é de 1,94 ± 0,07 x 10-11 para uma meia vida de 3,5 ± 0,2 x 1010 anos (Faure, 1977). Cálculos mais recentes indicam o valor de g = 1,867 ± 0,07 x 10-11 e meia vida de 3,71 x 1011 anos (Scherer et al., 2001).

Figura 1. Isótopos de interesse no método Lu-Hf.

Geoquímica do Lu e do Hf

O elemento Lu é largamente distribuido em rochas ígneas, sedimentares e metamórficas em concentrações que raramente excede 0,5 ppm. A concentração deste elemento em rochas ígneas mostra um aumento entre as rochas mais primitivas como basaltos (0,55 pp) para rochas mais diferenciadas como granitos (0,68 ppm), evidenciando o aumento da concentração deste elemento nos líquidos magmáticos devido a sua dificuldade de participação em minerais formadores de rocha, sendo consumido em minerais acessórios como monazita, xenotimo, alanita e gadolinita. Os minerais formadores de rocha como feldspato, plagioclásio, anfibólio, piroxênio e olivina apresentam concentrações inferiores a 0,1 ppm. Neste sentido, alguns minerais acessórios como apatita, granadas e monazitas são sérias candidatas para aplicação do método Lu-Hf. O mineral gadolinita apresenta centenas de ppm de Lu, o que permitiria a sua utilização para o cálculo de idades isocrônicas, porém não é um mineral usual nas rochas mais comuns.

Mais recentemente, a aplicação deste método através do ICP-MS-LA permitiu a utilização de grãos de zircões, uma vez que as concentrações dos elementos de interesse neste mineral chega a 24 ppm. Por outro lado os zircões apresentam altas concentrações de Hf devido a sua substituição pelo Zr uma vez que os dois apresentam comportamentos geoquímicos equivalentes devido sililaridades em raio iônico e valência. Além disso, o zircão é um mineral acessório comum, presente numa grande variedade de rochas.

A alta concentração do elemento radiogênico, porém, não permite a aplicação de zircões para o cáculo de idade isocrônicas, mas permite o cáculo de idades modelo (TDM). A baixa razão Lu/Hf no zircão (valores de 176Lu/177Hf menores de 0.001), faz com que a razão 176Hf/177Hf seja modificada de forma desprezível no tempo e desta forma permite preservar a composição isotópica inicial do Hf no momento da cristalização do zircão a partir da fonte magmática original. Neste sentido, os métodos U-Pb e Lu-Hf passaram a ser utilizados em conjunto, pois o primeiro fornece idade de cristalização e o segundo formece idade de residência crustal mais precisa do que o método Sm-Nd.

Em adição, o zircão tem uma temperatura de bloqueio do Hf cerca de 200oC mais alta que o Pb (Cherniak et al., 1997a,b; Cherniak e Watson, 2000), próxima de 1.100 oC, indicando que o sistema isotópico do Hf fica fechado durante a quase maioria dos eventos térmicos, incluindo o metamorfismo de alto grau, resguardando as razões isotópicas presentes na cristalização do zircão. Convem ressaltar que a utilização de grãos de zircão para a aplicação pela técnica de ablasão por laser necessita incluir estudos prévios de catodoluminescência (CL) e de elétrons retro-espalhados (BSE) para fornecer imagens de detalhes dos cristais estudados que permitem obter medições das relações isotópica de Hf sobre zircões zonados, além de evitar fraturas, inclusões e áreas com sobrecescimento irregular.

O Hf é elemento do Grupo IVB na Tabela Periódica e tem valência +4. Suas propiedades químicas e raio iônico são muitos parecidas com o Zr, os quais são comumente associados na natueza (Fujimaki, 1986). Isto ocorre porque o Hf substitui o Zr no retículo cristalino dos minerais, além do elemento Ti, o que permite encontrar altas concentrações deste elemento em titanitas. Curiosamente, segundo Brooks (1969), rochas alcalinas ricas em Na apresentam altas concentrações de Hf nos grãos de anfibólios (128 ppm) e nos piroxênios (33 ppm).

Entretanto as concenrtrações de Hf em rochas terrestres e extraterrestres apresentam uma média de 0,2 ppm. Em adição, as razões entre Lu/Hf nestas rochas está na ordem de 0,2 ou menos.

 

rocha Lu (ppm) Hf (ppm) Lu/Hf Referência
MORB 0,447 2,408 0,185 1,2
OIB 0,364 6,908 0,0527 1,2
Basalto 0,55 2,44 0,22 3,4
Rochas intermediárias 0,62 8,09 0,076 3,4
Granitos 0,68 6,93 0,098 3,4
Granitóides 0,402 7,238 0,0555 5,6
Zicão 23,650 11,270 0,00209 5,6,7
Eudialita 60,03 1,736 0,0345 5
Badeleita 70,03 13,700 0,00513 5
BCR-1 0,496 4,970 0,0997 8,9
JB-1 0,305 3,621 0,0842 9,2
Condrito 0,0376 0,167 0,225 10
Chondritos 0,031 0,19 0,16 3,4
Acondritos 0,251 1,255 0,200 11
Basalto lunar 1,745 11,750 0,148 9
Rochas lunares 1,85 12,7 0,15 3,4

Tabela 1. Médias das concentrações de Lu e Hf em rochas terrestres e extraterrestres. (1) Pachett e Tasumoto (1980b); (2) Pachett (1983); Herman (1970); Owen (1974); Patchett et al. (1981); Pettigill et al (1981); Pachett (1983); Pachett e Tasumoto (1980a); Pachett e Tasumoto (1981a); Pachett e Tasumoto (1981a); Pachett e Tasumoto (1981b); Pachett e Tasumoto (1981b).

A isócrona Lu-Hf

O cáculo de idades isocrônicas do método Lu-Hf obedece os mesmos princípios dos métodos Rb-Sr e Sm-Nd, de forma que muitas investigações sobre o método Lu-Hf (Figura 2) mostram uma precisão alta que justifica a utilização deste método na maioria das litologias, desde meteoritos a rochas magmáticas, metamórfica e sedimentares Fanerozóicas (Patchett and Tastumoto, 1980, Scherer et al., 2001; Patchett et al., 1984; Duchene et al., 1992). Estes trabalhos tem mostrado também uma grande variedade de rochas e de processos geológicos possíveis de serem datados pelo método.

A idade isocrônica Lu-Hf (Figura 3) em rocha total e minerais (principalmente granada, apatita e zircão) é uma importante ferramenta para estudos geocronológicos, especialmente pela datação de eventos metamórficos de alto grau. O sistema Lu-Hf tem uma temperatura de fechamento mais alta com respeito aos outros sistemas isotópicos (Sm-Nd e Rb-Sr) e por isso é ideal para datar, mediante o método da isócrona, o pico térmico de um evento metamórfico de alto grau, granulítico ou eclogítico (Duchene et al., 1997, Choi et al. 2006, Schmidt et al., 2008).

Figura 2. Sintese das equações utilizadas no método Lu-Hf.

Figura 3. Exemplo de diagrama isocrônico Lu-Hf. Minerais félsicos (como o zircão) apresentam baixa razão 176Hf/177Hf. Em contrapartida rocha total apresenta alta razão 176Hf/177Hf (Patchett et al., 1981).

A evolução dos isótopos de Hf

Devido a similaridade dos métodos Lu-Hf com Sm-Nd, a evolução isotópica do 176Lu (Figura 4) passou a ser uma questão importante para a aplicação do método Lu-Hf através do cáculo de idades modelo. Neste sentido foi importante o estudo realizado por Pachett e Tatsumoto (1981) para a determinação da composição isotópica do reservatótio chondritico a partir da intersecção da isócrona do meteorito Murchison (utilizando o mineral eucrita) e a razão 176Lu/177Hf obtido em carbonatos do meteorito Allende (de 0,0334). Este estudo permitiu a determinação do valor atual da razão 176Lu/177Hf = 0,28286. Em adição estes estudos do método Lu-Hf em meteoritos permitiram a definição da idade da Terra ao redor de 4,55 Ga (Figura 5). Investigações mais recente desenvolvidas por Blichert-Toft e Albarède (1997) com a utilização de MC-ICP-MS-LA forneceram novos valores muito próximos dos encontrados por Pachett e Tasumoto (1981), porém os valores de 176Lu/177Hf passaram para 0,28277 ± 3.

Figura 4. A evolução isotópica do Hf é definido pela fusão parcial do manto formando magmas que sobem para a crosta e a formação do manto depletado residual (T1). Novos processos de fusão podem acontecer na crosta e no manto depletado (T2). A área em amarelo na figura indica evolução isotópica com valores de 176Hf/177Hf meenores do que no CHUR. A área em azul indica evolução isotópica de com valores de 176Hf/177Hf maiores do que no CHUR.

Figura 5. Diagrama isocrônico Lu-Hf para amostras de meteoritos. A idade obtida é ao redor de 4,55 Ga. Modificado de Blichert-Torf e Alabarede (1997).

A investigação de isótopos de Hf em rochas mantoderivadas é uma importante ferramenta para a caracterização de fontes e processos de rochas ígneas e para a caracterização isotópica do manto e de sua evolução (Figura 6). O método Lu-Hf pode ser aplicado como um traçador do manto no decorrer do tempo, através do estudo de rochas de clara fonte mantélica como MORBS e basaltos de ilhas oceânicas. Um interessante estudo efetuado por Pactchett et al (1981) utilizou zircões para as análises de isótopos de Hf separados de rochas de diferentes idades o que permitiu a construção de um diagrama com a evolução isotópica de Hf ao longo do tempo. Neste sentido as análises de rochas de Amitsoq, Nuk, Finlândia, basim e Range, Kola e diabásios de Julnian definem uma tendência desde a formação da terra até os tempos atuais.

Figura 6. Diagrama isocrônico Lu-Hf para amostras rochas básicas-ultrabásicas de terrenos de diferentes idades. O alinhamento dos pontos é interpretado com a evolução isotópica de Hf no manto.

O parâmetro petrogenético εHf

Os valores isotópicos de Hf podem ser expressos da mesmas forma que os isótopos de Nd, utilizando a notação eHf (em partes por 10.000 em relação ao valor do CHUR). Neste sentido, os modelos de evolução isotópica de Hf tem sido propostos na literatura resultado de um interesse na aplicação deste método baseado na hipótese de utilização do Háfnio como marcador da diferenciação geoquímica entre manto e crosta (Blichert-Toft e Albarede, 1997; Amelin et al., 2000). A interpretação dos valores de εHf são similares às interpretações do εNd de forma que os valores positivos são rochas mantoderivadas (Figura 7) e os valores negativos são de rochas originados em magmas crustais.

Os valores de eHf podem ser calculados com a seguinte equação:

ε Hf = (176Hf/177Hf amostra)/(176Hf/177Hf CHUR) -1 )*10000

Para o Manto Empobrecido (DM) o valor da razão 176Lu/176Hf é igual 0,0390. Para o manto a razão isotópica inicial de 176Hf/177Hf há 4,5 Ga é igual a 0,279742 ± 29. Estes valores diferentes indicam que o manto superior se enriquece em Lu, enquanto a crosta fica empobrecida neste elemento. Este processo gerou dois tipos de manto depletados, como pode ser visto na Figura IV.8. Em adição, os isótopos de Hf quando interpretados conjuntamente com os isótopos de Nd permitem a caracterização de reservatórios como o HIMU (reservatório com valores anômalos de isótopos de Pb) r o DMM (manto depletado)

Figura 7. Diagrama de εHf versus εNd em rochas de Amitsoq (área em amarelo) e outras unidades juvenis conhecidas (em cinza). Adaptado de Vervoort and Blichert-Torf (1999)..

Figura .8. A evolução isotópica de Hf e Nd resultaram na formação de reservatórios mantélicos com assinaturas diferentes. Desta forma foi possível definir os reservatórios EM-I (manto depletado I) e EM-II (manto depletado II), HIMU e DMM (manto depletado)

Estudos de Hf na Crosta Terrestre

O elemento Lutécio fraciona com respeito ao elemento Háfnio durante a geração dos magmas mantoderivados, o que resultou em dois reservatórios de composições isotópicas distintas. O primeiro é representado pelo Manto Depletado (Lu/Hf<condritos) (Figura 9) e a crosta enriquecida (Lu/Hf>condritos) segundo vários autores (Vervoort e Blichert-Toft, 1999; Blichert-Toft e Albarede, 1997; Vervoort et al., 1999; Griffin et al., 2000; Griffin et al., 2002; Hawksworth and Kemp, 2006).

As razões iniciais 176Hf/177Hf em rochas igneas e metamórficas permitem identificar se o Hf derivou de uma rocha crustal ou mantélica (juvenil). Em outras palavras, pode-se dizer que o Hf em rochas mantoderivadas sem retrabalhamento apresentam valores de εHf positivos e as rochas formada por fusão de crosta apresentam valores de εHf negativos.

Figura 9. Os valores de εHf podem ser utilizados para caracterizar as fontes de magmas como crustais (valores negativos) ou mantélicas (valores positivos). Modificado de Amelin et al. (1999).

Porém se uma rocha se forma a partir do manto e em menos de 150 Ma passa por um evento de retrabalhamento, as razões isotópicas de Hf não permitirão distingui-las. Isto acontece porque as razões baixas de Lu/Hf na maioria das rochas e o lento decaimento do isótopo pai para o isótpo radiogênico vai mostras valores de 176Hf/177Hf muito parecidos. Esta baixa resolução do método Lu-Hf para eventos superpostos de uma centena de anos é semelhante aos métodos Sm-Nd e Rb-Sr que apresentam parâmetros petrogenéticos (εNd e 87Sr86/Sr).

As altas razões de Lu/Hf observado em granadas resulta na vantagem de analisar este mineral para datações de metamorfismo de uma maneira análoga ao método Sm-Nd. Neste particular, a distribuição das razões Lu/Hf em minerais separados de uma rochas metamórfica permite a construção de isócronas até mais precisas do que com o método Sm-Nd. Em adição, o lento decaimento do 176Lu para o 176Hf resulta me vantagens na análises de rochas metamórficas jovens (Fanerozóicas).

As razões 176Hf/177Hf iniciais em rochas ígneas (Figura 10) podem ser obtidas através da análise de minerais enriquecidos em Hf como zircão, badeleita e eudialita. A baixa razão Lu/Hf nestes minerais permite a sua aplicação facilitada por não requerer correções para o decaimento de 176Lu desde a época de cristalização. A única dificuldade cokm o zircão é no caso de um cristal apresentar incçusões sólidas (com idades mais antigas do que o cristal) e zoneamentos resultado do sobrecescimento (que são mais jovens). Quando analisados por MC-ICP-MS-LA existe a oportunidade de escolher o loal do grão a ser analisado e desta forma pode-se evitar incluões e sobrecrescimentos. Desta forma o método Lu-Hf tem se mostrado um poderosa ferramenta para o estudo de petrogênese e evolução crustal.

Figura 10. Diagrama de Lu/Hf versus Sm/Nd para valores modelados para o cálculo das razões isotópicas iniciais. O padrão dos pontos analíticos indicam uma tendência do manto denominada de Mantle Aray. Os símbolos das amostras são: azul (Lua); vermelho (Marte); círculo preto (Issua); e círculo amarelo (Amitsoq). Modificado de Albarede et al. (2000).