Isótopos radiogênicos aplicados ao estudo de rochas sedimentares

Introdução

As investigações sobre as composições isotópicas de rochas sedimentares e de suas fases minerais são importantes para a compreensão da estratigrafia destas rochas. Desde os trabalhos pioneiros de Wickman (1948) e Wasserburg et al. (1956) diferentes estudos têm sido realizados para identificação das assinaturas isotópicas dos componentes minerais com o propósito de definir limites temporais na deposição dos sedimentos.

Os isótopos radiogênicos podem ser utilizados também como traçadores de uma grande variedade de processos de intemperismo, transporte e sedimentação. Para adequada utilização e compreensão dos sistemas isotópicos nesses processos é necessário o conhecimento dos princípios que governam o comportamento geoquímico dos elementos envolvidos e, particularmente, é importante compreender a similaridades e diferenças entre a mobilidade geoquímica dos isótopos radioativos e radiogênicos em aplicação. Processos que acarretam o fracionamento químico entre o isótopo-pai e o isótopo-filho, como reações durante o intemperismo e a precipitação de fases autigênicas, tem o potencial de formar reservatórios com grande diferença nas razões isotópicas, definindo desta forma, excelentes isótopos traçadores nestes processos geológicos.

Princípios e Premissas

A aplicação dos isótopos ragiogênicos em rochas sedimentares tem se beneficiado dos recentes avanços nas capacidades analíticas dos laboratórios de geologia de isótopica através da melhoria da qualidade e da acurácia dos resultados. Estas melhorias decorrem da maior capacidade de separação das fases minerais bem como no incremento das técnicas de separação química e de espectrometria de massa. Como resultado desses desenvolvimentos, os estudos isotópicos em rochas sedimentares têm se mostrado muito promissores na análise de minerais silicáticos, carbonatos, sais, sulfatos e fosfatos. Para todos esses minerais o maior fator limitante para o sucesso da datação recai na precisão sobre a origem dos componentes minerais analisados em termos da sua história pré, sin e pós-deposicional (Figura 1).

Figura 1. O estudo petrográfico das amostras de rochas sedimentares é fundamental para a compreensão das relações de contado e da identificação de minerais detríticos e autigênicas.

Muitos dos resultados analíticos dos minerais detríticos podem ser mais facilmente interpretados como idades e assinaturas isotópicas das fontes das rochas sedimentares analisadas. Em oposição, os sedimentos químicos apresentam assinaturas isotópicas mais relacionadas aos ambientes de precipitação e tendem a indicar idades radiocronológicas dos processos relacionados a formação das respectivas fases minerais (Figura 2). Por sua vez, é sabido que os minerais de argila das rochas sedimentares podem ter origens variadas. Entre as principais pode-se citar: (1) partículas detríticas originadas na fonte; (2) cristais neo-formados por precipitação no líquido envolvente; (3) partículas modificadas isotopicamente durante o transporte sem mudanças no retículo cristalino; (4) grãos recristalizados resultado da dissolução seguido de precipitação com modificação estrutural.

Figura 2. Tipos de partículas de rochas sedimentares datáveis e suas possíveis interpretações.

O conhecimento derivado do estudo dos argilo-minerais sugere que o seu crescimento é um aspecto crucial para a compreensão de sua composição isotópica (Figura 3). As informações sobre a formação desses minerais tem sido realizada através da aplicação de raio-X que inclui a determinação do índice de cristalinidade da ilita (Figura 4) e fases polimóficas, observações por microscopia eletrônica, estudo de isótopos estáveis e geoquímica de elementos traços.

Os minerais formados a baixa temperatura durante processos de sedimentação e ou processos diagenéticos requerem extremos cuidados na separação de componentes detríticos para efeito de estudos isotópicos (Figura 5). Em teoria, as fases minerais escolhidas para análise isotópica não podem ter sofrido perda ou ganho dos isótopos radioativos e radiogênicos desde o momento de cristalização. Incertezas a respeito das composições isotópicas iniciais decorrentes de processos pós-deposicionais são os responsáveis pelas maiores dificuldades de datação de sedimentos .

Figura 3. Importância, premissas e dificuldades da geocronologia de rochas sedimentares.

Figura 4. O grau de expandibilidade da ilita aumenta com a temperatura.

Figura 5. A intensidade da diagênese provoca no aumento de fases minerais neo-formadas.

Influência do tamanho da partícula

Um aspecto fundamental relacionado com a retenção dos isótopos radiogênicos é o tamanho da partícula e a cristalinidade dos minerais de argila (Figura 6). O aumento do tamanho da partícula e a sua maior cristalinidade tende a diminuir a perda dos isótopos radiogênicos. Esta tendência é demonstrada em argilo-minerais como a esmectita que indica a menor perda de isótopo radiogênico em grãos > 0,2 mm. Na aplicação do método Rb-Sr, por exemplo, as frações mais finas indicam idades aparentes mais jovens e as frações maiores indicam idades mais antigas, o que pode indicar a existência de partículas detríticas, que apresentam idades próximas da idade das fontes. As frações mais finas podem ser interpretadas como fases autigênicas e sua idade tende para idade de sedimentação.

Figura 6. Novas fases minerais podem se formar com texturas entre grãos demonstrando a origem metamórfica posterior a sedimentação e diagênese. (Modificado de Spray e Roddick, 1980)

O índice de cristalinidade da glauconita aumenta paralelamente ao incremento de K na sua composição. A aplicação do método K-Ar em glauconitas tem mostrado que as frações deste mineral com maiores concentrações de K indicam a idade de sedimentação. Esta variação da idade versus K pode ser interpretada no sentido de que a perda de Ar radiogênico diminui durante o processo de glauconização (Figura 7) e que este processo é acompanhado pela diminuição do conteúdo de Fe e a substituição deste elemento por K.

A composição isotópica dos minerais autigênicos pode sofrer modificações como resultado do aumento da temperatura durante a sedimentação e diagênese. Neste caso, os minerais de argila podem indicar idades influenciadas pelo aumento da temperatura (Figura 8) e conseqüentemente a perda de isótopos radiogênicos. Como decorrência, o aumento da temperatura durante a compactação e diagênese de um pacote de sedimentos pode provocar a diminuição de idade com o aumento da profundidade.

Figura 7. As idades das glauconitas tem relação direta com os teores de K. Modificado de Clauer et al. (1992).

Figura 8. O aumento da temperatura pode provocar a perda de Ar e a diminuição da idade com a profundidade, criando um paradoxo estratigráfico. Modificado de Hunziker et al. (1986).

Homogeneização isotópica

Os minerais de argila podem fornecer idades de sedimentação somente se todos os cristais dispersos em um volume de rocha foram homogeneizados por um dado sistema isotópico em uma época de sua evolução. Esta homogeneização isotópica é uma premissa fundamental para a utilização dos métodos radiométricos através da construção de diagramas isocrônicos.

Informações sobre a composição isotópica do meio aquoso no qual o mineral foi formado ou modificado é também de fundamental importância para a compreensão e interpretação da composição isotópica das fases minerais das rochas sedimentares. Minerais de argila autigênicos em equilíbrio isotópico com seus ambientes aquosos envolventes supostamente incorporam elementos cujas composições isotópicas refletem o ambiente. Por este princípio qualquer fase mineral autigênica precipitada em um ambiente marinho deve incorporar Sr, Nd, Pb e Os com composição isotópica equivalentes a outras fases minerais contemporâneas como nos carbonatos, óxidos, sulfatos ou fosfatos.

O conhecimento da composição química e isotópica dos ambientes de formação desses minerais pode se tornar complexo no caso da existência de reações exemplificadas pelos processos de dissolução ou precipitação, onde o comportamento do meio como um sistema fechado se torna uma informação fundamental. Um importante parâmetro a ser determinado durante os estudos isotópicos em rochas sedimentares corresponde a confirmação ou não de que a composição isotópica de minerais autigênicos apresenta valores equivalentes durante um intervalo estratigráfico. A homogeneidade isotópica de rochas sedimentares são representativas de um intervalo de tempo o que pode evidenciar a uniformidade isotópica no ambiente em deposição no período de tempo correspondente a deposição dos sedimentos.

Datação de rochas sedimentares

A datação absoluta do período de deposição de rochas sedimentares é um importante aspecto no estudo de evolução de bacias sedimentares e apresenta dificuldades em função do número limitado de minerais que apresentem homogeneização isotópica durante os processos de sedimentação e diagênese. Desta forma a acurácia das idades depende do fechamento do relógio isotópico no interior de minerais na época de sedimentação.

Para a utilização dos métodos Rb-Sr, Sm-Nd, U-Pb e Re-Os na datação de rochas sedimentares pode-se aplicar a técnica isocrônico com a utilização de uma suíte de materiais co-genéticos que tiveram a mesma composição isotópica inicial e diferentes razões entre o isótopo pai/isótopo filho. No caso dos resultados analíticos formarem um alinhamento, sua inclinação será uma função do tempo, e é relacionada ao período de formação do material co-genético. O intercepto dessa reta com o eixo da ordenada indica a composição isotópica inicial.

Em princípio, as rochas sedimentares podem ser divididas em grupos em função da natureza do sistema isotópico presente em seus minerais. O primeiro grupo apresenta minerais detríticos que são resistentes a abertura do sistema durante o intemperismo, transporte e deposição. Esses minerais apresentam assinatura isotópica que registra o fechamento do sistema isotópico na época da formação das rochas fontes dos sedimentos. Em contrapartida, os minerais autigênicos são depositados diretamente da água do mar e por esta razão apresentam homogeneidade isotópica com meio circundante. Esses minerais neo-formados são altamente suscetíveis a processos pós-deposicionais e raramente permanecem como um sistema fechado.

Rb-Sr em sedimentos

O par Rb-Sr é um exemplo de fracionamento em ambientes crustais superficiais (Figura 9). Como resultado da maior incompatibilidade do Sr durante processos de fusão mantélica, ocorre uma maior razão Rb/Sr na crosta continental o que leva a uma maior proporção de Sr radiogênico no ambiente da crosta continental. Durante o intemperismo da crosta, a razão pai/filho novamente é modificada uma vez que o Sr é relativamente solúvel e é carreado por soluções meteóricas enquanto o Rb tende a fazer ligações em argilo-minerais. Quando dissolvido, o Sr alcança o oceano e segue o Ca em função de sua fácil substituição por esse elemento, facilitando a precipitação do Sr em rochas carbonáticas (Figura 10). Novamente nesse processo Sr e Rb são separados uma vez que este último é virtualmente excluído dos carbonatos. O grande benefício desse processo é possibilidade de utilização dos carbonatos marinhos como um monitor da composição isotópica do Sr da água do mar.

Figura IX 9. Ciclo de Sr na água do mar.

Algumas rochas sedimentares contêm minerais que apresentam razões Rb-Sr alta ou suficiente para se medir o enriquecimento em 87Sr radiogênico. Entre os minerais ricos em Rb pode-se citar a glauconita, outros argilo-minerais, feldspato potássico, silvita, carnalita (autigênicos) e micas, feldspato potássico e argilo-minerais (detríticos). No caso destes minerais serem autigênicos, isto é, terem sido formados no interior do ambiente de deposição, eles podem indicar a idade de sedimentação desde que o sistema tenha permanecido fechado.

A fase mineral mais útil para datação de rochas sedimentares pelo método Rb-Sr é a glauconita. Esse mineral compreende uma família de minerais com composição variando de esmectita (rica em K) e glauconita micássia (rica em Fe). A glauconita contendo < 6% de K2O não produz bons resultados enquanto aquelas com > 7% de K2O tendem a resultar em boas idades. Outros exemplos de minerais autigênicos é a silvita e a carnalita, que por serem minerais evaporíticos, são facilmente alterados por recristalização e por apresentarem equilíbrio contínuo com as soluções hidrotermais salinas não são bons geocronômetros.

As rochas sedimentares de especial interesse para datação Rb-Sr são os filitos, que podem ser datados pelo método isocrônico utilizando rocha total. Estas rochas podem apresentar minerais detríticos com idades pré-sedimentação, mas demonstrou-se que as frações finas resultam em diagramas isocrônicos com isócronas lineares. As idades obtidas de tais isócronas podem ser interpretadas de forma que a homogeneização isotópica não está necessariamente associada somente ao tempo de deposição, mas pode resultar também da diagênese, deformação ou recristalização durante o metamorfismo incipiente. Por outro lado, a presença de minerais detríticos resistentes ao equilíbrio isotópico durante o processo de deposição pode resultar em idades mais antigas do que a deposição.

As incertezas associadas com a interpretação de idades isocrônicas Rb-Sr em filitos podem ser evitadas pela análise das diversas frações granulométricas da rocha separadamente. Conseqüentemente o sucesso da datação Rb-Sr em rochas sedimentares de granulometria fina contendo glauconita ou ilita depende do estudo mineralógico e composicional dos minerais de argila.

Apesar dos minerais detríticos frustrarem as tentativas de datação dos processos sedimentares, estes minerais fornecem importantes informações a respeito das fontes das quais esses minerais originaram. As rochas sedimentares clásticas contêm minerais ou partículas de rochas que foram derivadas por intemperismo e erosão de rochas continentais. Esses minerais sobrevivem a esse processo por serem resistentes ao intemperismo químico e físico e incluem moscovita, feldspato postássico, ilita, zircão, monazita, titanita, entre outros. Esses minerais podem ser separados das rochas sedimentares onde ocorrem e podem ser datados por métodos isotópicos apropriados para determinar a idade das rochas das quais eles foram derivados. As idades de proveniências assim obtidas podem ser utilizadas para a definição de idade máxima de deposição das rochas sedimentares como também a identificação de fontes específicas de sedimentos utilizados em modelos de reconstruções paleogeográficas, importantes na compreensão da evolução geológica de bacias sedimentares.

Figura IX 10. Exemplo de aplicação do método Rb-Sr em rocha sedimentar.

No caso em que um mineral detrítico foi derivado de duas ou mais rochas fontes contendo idades diferentes, a mistura dos grãos desses minerais fornecerá uma idade mista sem significado geológico, refletindo a proporção de grãos derivados de cada uma das fontes. Variações estratigráficas de idades mistas podem ser causadas por diferentes proporções de grãos de minerais derivados de múltiplas fontes. A variação sistemática de idades mistas de uma específica unidade estratigráfica pode revelar a localização de fontes que contribuíram com grãos de minerais de uma idade em particular.

A validade das idades determinadas por minerais detríticos pelo método Rb-Sr se baseia nas premissas de que: (1) as partículas minerais permaneceram fechadas para Rb e Sr durante o intemperismo e transporte; (2) os minerais não foram alterados durante a diagênese e não houve sobrecrescimento de fases neo-formadas durante este período; (3) as razões iniciais 87Sr/86Sr dos minerais derivados de fontes de diferentes idades são similares. Esta última premissa é dificilmente satisfeita para datação de minerais detríticos, porém idades geologicamente úteis podem ser obtidas como no caso de datação de feldspatos.

Sm-Nd em sedimentos

O sistema Sm-Nd por sua vez, não é fracionando de forma apreciável durante o processo de intemperismo ou em outros processos a baixa temperatura, próximo da superfície da Terra. Esse comportamento é resultado da mesma valência e da similaridade dos raios iônicos do Sm e do Nd, sendo ambos poucos solúveis (Figura 11) . Conseqüentemente esses elementos têm baixa concentração e curto tempo de residência na água do mar, sendo que os resíduos sólidos originados no intemperismo formam sedimentos com composição isotópica de Nd e razão Sm/Nd muito próxima da média do material fonte. Assim, enquanto os isótopos de Sr fornecem uma assinatura da composição antiga dos oceanos, os isótopos de Nd em sedimentos fornecem um traçador útil para a compreensão da origem de rochas sedimentares gerando importantes informações sobre a evolução de bacias sedimentares como idades modelo (TDM) de fontes, além de, em certos casos, idades de sedimentação e diagênese.

As rochas siliciclásticas são compostas por minerais e partículas de rocha derivadas pelo intemperismo de rochas ígneas, metamórficas e sedimentares mais antigas. A composição isotópica das rochas sedimentares assim formadas depende não somente do decaimento do 147Sm desde a deposição, mas também das idades das partículas que a compõe. A razão Sm/Nd de sedimentos não é alterada de forma apreciável durante o intemperismo químico, transporte, deposição e diagênese. Desta forma as idades modelos Sm-Nd (calculadas em relação ao CHUR ou ao manto empobrecido) reflete a idade das rochas da qual foram derivadas. Por esse motivo essas idades são denominadas de residência crustal e podem ser utilizadas no estudo da interação do manto e da crosta no decorrer do tempo geológico. Esta possibilidade deriva do fato que a adição de um componente jovem manto-derivado durante a deposição da rocha sedimentar aumenta a razão 143Nd/144Nd e conseqüentemente diminui sua idade modelo. Assim, a diferença entre a idade modelo das rochas sedimentares e a idade de deposição depende da quantidade de material manto-derivado adicionado durante a deposição (Figura 12).

Figura IX 11. Dissolução de Nd em água do mar. A baixa dissolução de Nd define um curto tempo de residência no mar.

Figura IX 12. Exemplo de aplicação de idade modelo (TDM) em rochas sedimentares.

Esta relação permite o uso de idades modelo Sm-Nd em sedimentos detríticos no estudo do crescimento da crosta continental pela adição de material juvenil. O tratamento dos resultados das idades Sm-Nd em rochas sedimentares mais antigas do que 2 Ga tendem a concordar com suas idades de deposição indicando que houve um importante suprimento de material manto-derivado para sua formação (Figura 13). As rochas sedimentares mais jovens que 2 Ga apresentam idades modelo Sm-Nd são mais velhas do que suas idades estratigráficas, indicando que houve um aumento da participação de rochas crustais na sua formação. Evidentemente a reciclagem de material crustal se tornou importante ao redor de 2 Ga, apesar da contribuição mantélica ter continuado até o presente em menor intensidade. Como exemplo, os sedimentos Fanerozóicos foram formados quase que inteiramente por material crustal reciclado, e suas idades de residência crustal são similares a sedimentos Proterozóicos e a diferença entre as idades modelos e as idades estratigráficas serão maiores do que os sedimentos pré-Cambrianos.

Por outro lado, idades isocrônicas Sm-Nd construídas a partir de fases minerais autigênicas podem indicar o período de sedimentação. Esta possibilidade decorre de processos de homogeneização isotópica das fases minerais neo-formadas com o líquido circundante. Apesar da mobilidade geoquímica do Sm e do Nd ser menor do que a mobilidade geoquímica do Rb e do Sr, em alguns casos os 2 sistemas isotópicos podem ser rehomogeneizados. Esse equilíbrio isotópico do Sm e Nd com o meio circundante tende a ocorrer em fases minerais autigênicas como sulfatos, carbonatos e fosfatos, tanto durante o processo de sedimentação quanto durante a diagênese, onde soluções hidrotermais promovem a dissolução e precipitação de fases minerais em equilíbrio isotópico.

Entretanto as idades isocrônicas Sm-Nd obtidas através de fases minerais autigênicas em rochas sedimentares pode ainda indicar idades das rochas fontes desses sedimentos, enquanto o método Rb-Sr apresenta equilíbrio isotópico com ambiente deposicional resultando em idades isocrônicas mais jovens que as idades Sm-Nd isocrônicas. Nesse sentido, idades mistas entre a idade da fonte e a idade de sedimentação pode ser obtida pelo método Sm-Nd isocrônico. Estas idades mistas não apresentam significado geológico e devem ser interpretadas no contexto geológico regional da bacia sedimentar em estudo.

Figura IX 13. Exemplo de aplicação de datação isocrônica Sm-Nd em carbonatos.

U-Th-Pb em sedimentos

O U-Th-Pb constitui um sistema isotópico extremamente útil para o monitoramento de ambientes sedimentares e de vários processos deposicionais. Novamente nesse caso, as diferenças químicas entre os elementos pai e filho são determinantes na utilidade dos isótopos de U, Th e Pb tanto para datação como para uso como traçadores. Um exemplo clássico é o U e Th que são separados em função de suas mobilidades geoquímicas. U é muito solúvel e tem um longo tempo de residência nos oceanos e sua concentração é praticamente constante.

A aplicação do método U-Pb em monocristal de zircão detrítico (Figura 14) tem se mostrado a mais importante ferramenta geocronológica para o estudo de proveniência de rochas sedimentares. Tais estudos fornecem idades deposicionais máximas para os sedimentos a partir do pressuposto de que o zircão mais jovem foi formado por um evento magmático ou metamórfico que precedeu o início da deposição. A aplicação desse estudo decorre da potencial caracterização das idades de formação das rochas das regiões fontes.

Figura IX 14. Zircões detríticos.

A seleção de amostras de zircões detríticos para estudos U-Pb depende da questão geológica a ser resolvida, variando conforme a natureza do pacote sedimentar. Para interpretar a distribuição de idades de zircões detríticos de fontes distais é apropriado selecionar camadas de minerais pesados no interior de arenitos quartzosos maduros, enquanto a avaliação da distribuição de idades de fontes proximais é melhor amostrar grauvacas imaturas.

Vários fatores devem ser levados em consideração para o estudo de zircões detríticos pelo método U-Pb. A primeira decisão é a respeito do número de grãos a serem analisados. A quantidade de grãos é definida em termos de probabilidade de se detectar um grupo de idades no universo de grãos existentes na amostra. Como exemplo, se uma amostra contém grãos de 15 unidades de idades diferentes representando a região de fonte, a decisão de se analisar 10 grãos de zircão não terá chance de detectar todos os grupos de idades existentes na amostra. Desta forma, quando se procura detectar pequenos grupos de idades em uma população de zircões detríticos necessário se faz analisar um grande número de grãos. A probabilidade (p) de se detectar um grupo de idades numa proporção (y) depois de n grãos analisados é dado por:

P = (1-y) n

De acordo com esta equação após 56 grãos analisados existe 95% de possibilidade de se detectar pelo menos 1 grão de zircão pertencente a um grupo que representa 5% da população (Figura 15). Em outras palavras se existe uma população representando 25% do total de grãos, apenas 12 análises serão suficientes para você ter 95% de chance de detectar este grupo.

Figura IX 15. Diagrama relacionando onúmero de rãos analisados e a a probabilidade de identificação de uma população de grãos de zircão. A linha tracejada indica a posição onde a probabilidade de faltar uma população de zircões é de 5%. Desta forma obtem-se o número (“mágico”) de 56 grãos como mínimo aconselhável para se trabalhar este método.

Um segundo aspecto importante na avaliação de resultados U-Pb em zircões detríticos é que as rochas máficas não apresentam comumente grãos de zircão de forma que a distribuição de idades de uma região fonte dominada por vulcânicas máficas não será bem representada nos resultados. Em adição, geralmente apenas grãos de zircão pobres em U (<de 100 ppm) sobrevivem ao retrabalhamento durante o transporte antes da deposição de arenitos quartzosos, provavelmente por que grãos de zircão ricos em U são mais facilmente destruídos por saltação. A distribuição de idades U-Pb em zircão detrítico (Figura 16) neste caso tem um viés onde as idades das unidades que são caracterizadas por zircões pobres em U terão sua representação maior do que o real.

Figura 16. Diagrama de prbabilidade relativa de idades U-Pb de famílias de zircões deríticos. O número de grãos datado no caso foi de 102 zircões.

Um outro aspecto de seleção de grãos que pode provocar um viés nos resultados decorre da separação magnética durante a preparação de amostras. As técnicas de separação de zircão convencionais envolvem a utilização das propriedades paramagnéticas de forma que as frações mais magnéticas são descartadas e somente as frações de menor susceptibilidade magnética são utilizadas. No caso de unidades caracterizadas por zircões paramagnéticos, os resultados podem não representar a real participação destas rochas na área fonte e para se evitar tal viés e seleção de grãos para análise U-Pb em zircão detrítico não deve utilizar de suas propriedades magnéticas.

As idades comumente utilizadas no estudo U-Pb em zircões detríticos são baseadas na razão 207Pb/206Pb, o que pode provocar inexatidão quando as idades são discordantes decorrente da perda de Pb. O problema da discordância geralmente é maior quando não é realizado o tratamento por abrasão. Neste caso pode-se lançar mão das análises em monazitas e titanitas (Figura 17), caso eles estiverem presentes no concentrado de minerais pesados.

Por uma questão de redução de custos o LA-ICP-MS é a principal técnica utilizada para datação U-Pb em monocristal de zircão. Umas das vantagens desta técnica é a rapidez do procedimento analítico que pode levar apenas poucos minutos. Esta facilidade permite análise de um grande número de grãos com menor precisão de idades além da possibilidade de se efetuar mais de uma análise em um mesmo grão.

Figura IX 17. Monazitas e titanitas detríticas também podem ser utilizadas pelo método U-Pb para identificação de idades de fontes de rochas sedimentares.

Pb-Pb em sedimentos

As rochas carbonáticas não representam um alvo comum para datação radiocronológica pelos métodos 235U-207Pb, 238U-206Pb e 232Th-208Pb apesar da alta concentração nos materiais fósseis encontrados nesse tipo de rocha. A dificuldade de aplicação desses métodos decorre provavelmente das perdas e ganhos dos elementos envolvidos, de forma que as amostras em escala de afloramento raramente se comportam como um sistema fechado.

Uma grande quantidade de investigações tem sido realizada com o intuito de aplicar o método de datação isocrônica Pb-Pb para datação de rochas carbonáticas (Figura 18) e siliciclásticas. Este método tem sido aplicado a datação de carbonatos e arenitos, principalmente através da utilização da técnica de lixiviação e os resultados analíticos assim obtidos indicam que o alinhamento dos pontos define uma isócrona cuja inclinação reflete a idade de formação da rocha. O sucesso deste procedimento depende de detalhados estudos petrográficos que permite a melhor interpretação dos resultados através da caracterização da evolução da rocha, incluindo também catodo-luminescência e microscopia eletrônica. Em adição, os estudos isotópicos Pb-Pb em rochas sedimentares podem ser complementados com dados geoquímicos e isótopos estáveis de O e C.

A primeira datação de rochas carbonáticas pelo método Pb-Pb foi realizado por Doe (1970) que concluiu que estas rochas não são convenientes para datação radiométrica. Cerca de 2 décadas mais tarde Moorbath et al (1987) aplicou o método de datação Pb-Pb em carbonatos metamórficos e desde então muitos estudos têm sido reportados em carbonatos metamórficos e não metamórficos. A técnica laboratorial de lixiviação veio contribuir de forma importante para a aplicação do método Pb-Pb em rochas carbonáticas. A lixiviação constitui uma técnica onde diversos ataques ácidos de concentrações crescentes são realizados de forma que a gerar diversas extrações do isótopos de interesse de uma mesma amostra. Normalmente o primeiro lixiviado é descartado uma vez que apresenta muito Pb radiogênico provavelmente extraído de fraturas e da superfície dos grãos de carbonatos. O último lixiviado normalmente também é descartado uma vez que o Pb é coletado de inclusões sólidas presentes na amostra de carbonato. Os dados isotópicos obtidos por lixiviação em carbonatos podem constituir um alinhamento cuja inclinação muitos autores interpretam como refletindo o tempo de formação ou deposição das fases carbonáticas e silicáticas.

Figura IX 18. Exemplo de aplicação do método Pb-Pb isocrônico com resultados analíticos obtidos por lixiviação.

K-Ar e 40Ar-39Ar em sedimentos

Os métodos K-Ar e Ar-Ar também podem ser utilizados para o estudo de rochas sedimentares. Esses métodos são utilizados tanto para datação de processos sedimentares e diagenéticos e como traçadores para identificação de idades de fontes. Os procedimentos analíticos da técnica 40Ar-39Ar produz um inconveniente efeito denominado de recoil, que constitui numa perda do 39Ar durante a ativação neutrônica (Figura 19) o que resulta em idades mais antigas do que o real. Este efeito pode ser especialmente significante em pequenas partículas como argilo-minerais. O problema de recoil tem sido descrito em análises 40Ar-39Ar em ilitas e esmectitas, apesar de que este efeito pode ser identificado por um padrão característico no diagrama de idades aparentes construído a partir de análises step-heating. Esta perda de Ar conseqüente tende a ocorre em qualquer amostra de fração fina, ativada neutronicamente ou não, e pode estar relacionada a difusão de Ar nos minerais finos cuja estrutura cristalina permite a mobilidade do argônio. É clara, entretanto, a potencial aplicação da técnica 40Ar-39Ar em muitas situações geológicas como em grãos de ilita diagenéticos bem cristalizados com granulometria > 10 mm. Porém, para esse propósito, recomenda-se a melhor compreensão do efeito recoil em partículas grandes durante a irradiação.

A perda de Ar em minerais de argila também é demonstrada em análises K-Ar convencional, onde não é realizada a ativação neutrônica. No caso de argilas coletadas em testemunho de sondagem, é necessário ter o controle da granulometria dos minerais analisados (Figura 20) uma vez que o aumento doo tamaho dos grãos pode incluir minerais que não foram totalmente homogeneizados na água de deposição. Estes grãos maiores tenderão a ter idades mais antigas e os grãos maenores terão idades mais jovens e mais compatíveis com a idade de sedimentação. Desta frma, a prática da análise de outros minerais, como biotitas, muscovitas e anfibólios detríticos (Figura 21) passa ser interessante pois permite a indicação das idades das fontes destes minerais.

Figura IX 19. Esquema mostrando o efeito recoil em grãos finos de sedimentos.

Figura IX 20. A idade K-Ar em minerais de argila pode ser dependente do tamanho do grão analisado. Adaptado de Perry (1974).

Figura IX 21. Minerais detríticos obtidos em sedimentos.

Re-Os em sedimentos

O método Re-Os tem sido aplicado recentemente no estudo de rochas sedimentares no sentido definir períodos de sedimentação (Figura 22) e diagênese bem como o estudo de rochas fontes dos sedimentos, principalmente em folhelhos negros e rochas similares. A datação de eventos de sedimentação pelo método Re-Os tem sido sugerido por Creaser et al., (2002), Ravizza e Turekian, (1992) e Cohen et al., (1999), o que tem se demonstrado uma possibilidade de aplicação promissora.

Uma interessante aplicação do método Re-Os em rochas sedimentares ocorre no estudo de dinossauros e sua extinção no final do Cretáceo. Esses animais passaram por um intervalo de desenvolvimento espetacular durante o Mesozóico e são desconhecidas as razões do seu declíneo e extinção da face da Terra. A composição isotópica de Os se tornou uma importante evidência na controvérsa hipótese que une a extinção dos dinossauros com concentrações anômalas de Ir em rochas argilosas depositadas no limite Cretáceo-Terciário, 65 Ma atrás.

Durante a década de 80 foram reportados casos de rochas sedimentares na Itália, Dinamarca e Nova Zelândia depositados próximos do limite Cretáceo-Terciário, enriquecidos em Ir 160 vezes acima dos padrões regionais (Alvarez et al., 1980). Os estudos desses sedimentos concluíram que o Ir é de origem extraterrestre e foi depositado em escala mundial resultado da injeção da poeira gerada durante o impacto de um asteróide com diâmetro de aproximadamente 10 Km. A nuvem de poeira provavelmente causou a escuridão na superfície da Terra por vários anos, o que deve ter interferido no processo de fotossíntese e, conseqüentemente, os enormes dinossauros herbívoros e seus inimigos carnívoros morreram por desnutrição em um curto período de tempo na ordem de 50 a 10.000 anos.

Esta hipótese causou animada controvérsia com grupos de geólogos e paleontólogos a favor e outros contra. Para facilitar o debate, uma conferência foi organizada nos EUA em 1981, na qual as conseqüências de grandes impactos e evidências de suas ocorrências na Terra foram consideradas. Os trabalhos apresentados nesta reunião foram publicados por Silver & Schultz (1982). Um ponto em comum durante os debates foi que asteróides e cometas geraram impactos na Terra e causaram explosões cujos registros geológicos não são totalmente conhecidos.

Figura 22. Exemplo de aplicação de idade isocrônica Re-Os em rochas sedimentares.

No estudo do caso da extinção dos dinossauros, a fonte do Ir das argilas depositadas no limite Cretáceo-Terciário pôde ser identificada com base na composição isotópica do Os associado. Sabe-se que a razão 187Os/186Os de rochas crustais é muito maior do que em meteoritos por que as rochas crustais são empobrecidas em Os e tem alta razão Re/Os comparado aos meteoritos. Amostras da argila do limite Cretáceo-terciário foram analisadas para determinação das razões 187Os/186Os e esses valores foram comparados com nódulos de Mg dos principais oceanos do mundo. Os resultados indicaram que os nódulos de Mg tem elevadas razões 187Os/186Os com valores variando de 5,95 ± 0,18 (Pacífico sul) a 8,38 ± 0,19 (Pacífico leste) enquanto que as amostras de argila apresentam valores muito mais baixos da razão 187Os/186Os variando entre 1,654 ± 0,004 a 1,29 ± 0,04. Evidentemente o Os destas 2 amostras não se originou de fontes crustais. Entretanto os resultados não indicam de forma inequívoca que o Os é de origem extraterrestre. O problema é que as razões 187Os/186Os dos meteoritos apresentam valores menores do que as argilas do limite Cretáceo-Terciário. Uma explicação seria que uma mistura de Os originado dos meteoritos com Os crustal poderia aumentar as razões isotópicas de Os alcançando os valores observados nas amostras de argila. Entretanto, contaminação de Os dos meteoritos com Os crustal não é um processo possível em função da baixa concentração de Os nas rochas crustais.

Zoller et al., (1983) ofereceu uma explicação alternativa. Segundo estes autores as razões 187Os/186Os das argilas se originou do manto e chegaram a superfície pela atividade vulcânica. O Ir pode ser volatilizado por reações com flúor e pode ser concentrado em gases emitidos por vulcões em erupções de lavas de composições basálticas. A razão isotópica 187Os/186Os no manto é 1,0, valor este coerente com os valores observados nos meteoritos.

Como (atual) conclusão, a composição isotópica de Os das argilas do limite Cretáceo-Terciário não pode ser utilizado para demonstrar a origem extraterrestre do Os e do Ir associada a esse sedimento, uma vez que os dados não excluem a possibilidade de que o Os originado do manto foi o responsável pela anomalia e chegou a superfície durante erupções vulcânicas. De qualquer forma, as duas possibilidades de explicar as anomalias de Ir em sedimentos depositados no intervalo Cretáceo-Terciário leva a crer que uma grande cortina de fumaça tenha coberto o planeta por um longo período de tempo. Esta cobertura de fumaça, originada no interior da Terra ou de seu exterior, provavelmente provocou a diminuição do processo de fotossíntese a ponto de provocar a extinção no planeta dos dinossauros e de seus famintos caçadores.

A Evolução isotópica dos oceanos

O estudo da geoquímica dos oceanos foi uma das primeiras tentativas de datação da Terra a partir da hipótese de que a salinidade das águas dos mares teve um incremento em taxas constantes durante o tempo geológico. Esta hipótese foi posteriormente descartada uma vez que esta taxa dificilmente se manteve constante.

A hidrosfera é tão antiga quanto às rochas mais velhas conhecidas na Terra. Estudos utilizando isótopos de oxigênio nos cristais de zircões mais antigos do planeta até hoje (com 4,2 Ga) indicam a existência de oceano desde aquela época. Porém as informações mais significativas sobre a evolução geoquímica do oceano são fornecidas pelos métodos Rb-Sr e Sm-Nd. Estas informações estão registradas em sedimentos cujas composições são interpretadas como representativas das composições das águas dos oceanos. Esta interpretação é baseada na premissa de que os sedimentos de composição carbonática foram depositados em equilíbrio isotópico com o meio circundante representados palas águas marinhas. Em seguida serão apresentados os estudos sobre a aplicação dos métodos Rb-Sr e Sm-Nd no estudo da evolução geoquímica dos oceanos.

Os isótopos de Sr dos oceanos no decorrer do tempo geológico

A hipótese de equilíbrio isotópico entre carbonados antigos e as suas águas marinhas circundantes é corroborada pela observação dos sedimentos carbonáticos atuais apresentarem assinaturas isotópicas similares às águas marinas onde os sedimentos são formados, o que pode ser explicado pela falta de detritos nestes sedimentos, uma vez que eles são formados pala ação de organismos. Neste sentido os resultados do método Rb-Sr em rochas carbonáticas podem ser interpretados como representativas dos oceanos em que os sedimentos foram depositados.

Infelizmente a mínima quantidade de Rb nos sedimentos carbonáticos impede a utilização do método de datação Rb-Sr isocrônico. Porém a identificação de valores de 86Sr/87Sr iniciais em carbonatos de diferentes idades tem permitido a construção de uma curva (Figura 23) de evolução isotópica de Sr nos oceanos no decorrer do tempo geológico. E esta curva tem sido sistematicamente incrementada com dados de diferentes partes do planeta a partir de resultados isotópicos de Sr obtidos em sedimentos de variadas idades. Esta curva tem sido, conseqüentemente, calibrada com tal precisão que passou a ser utilizada como uma ferramenta de datação indireta. Neste sentido, os dados isotópicos de Sr de uma amostra de carbonato podem ser utilizados para a identificação de sua idade ao ser lançada na curva de evolução isotópica de Sr nos oceanos desde o Arqueano até o presente.

Os primeiros passos para a construção da curva de Sr dos oceanos foram dados por Wickman (1948) que postulou que o decaimento de 87Rb para 87Sr incrementou a água dos oceanos de isótopos de Sr radiogênicos no decorrer de 3 bilhões da história da Terra. Porém naquela época a precisão das medidas espectrométrica não permitia a construção de uma curva de calibração isotópica de Sr de forma acurada (Gast, 1955), o que veio a acontecer 25 anos depois. A partir da década de 1970 pesquisadores começaram a utilizar equipamento que apresentavam erro analítico 4 vazes menor que as variações naturais de isótopos de Sr nos oceanos, a partir das medidas em carbonatos. Desta forma, Peterman et al. (1970), Dash and Biscaye (1971), além de Veizer and Compston (1974), utilizaram diferentes tipos de materiais como macrofósseis como bivalves e braquiópodes, foraminíferos e rochas carbonáticas para demonstrar que é possível a construção de uma curva de evolução isotópica de Sr no decorrer do tempo geológico.

Figura 23 Curva de evolução isotópica de Sr desde o início da Terra.

O trabalho dos pesquisadores iniciais foi seguido por uma legião de estudos (Burke et al., 1982; Derry et al., 1989; Asmeron et al., 1991; Kaufman et al., 1993) que complementaram a curva de evolução isotópica de Sr em diferentes períodos de tempo, incluindo técnicas de lixiviação de carbonatos em ácido acético para a eliminação de Sr de composições isotópicas não representativas dos respectivos oceanos e incorporados a rochas posteriormente a sedimentação/diagênese.

O trabalho atual dos pesquisadores se limita ao refinamento da curva a partir de rochas carbonáticas com posição estratigráfica bem definida. Este trabalho apresenta resultados de grande precisão em rochas Fanerozóicas (Figura 24), o que tem permitido a construção de uma curva de evolução isotópica de Sr muito bem calibrada para este período de tempo. Outras técnicas de estudo têm permitido a eliminação de amostras alteradas, como o uso que geoquímica (onde a diminuição dos valores da razão Sr/Ca indica o aumento da alteração pós-sedimentação; Brand and Viezer, 1980) e o uso de catodoluminescência (onde alterações com Mg podem ser detectadas; Popp et al., 1986). Outros sedimentos mais antigos têm gerado uma curva menos precisa para a evolução isotópica de Sr (Veizer and Compston, 1976), como pode ser visualizado na Figura 23.

Figura X.23 Curva de evolução isotópica de Sr durante o Fanerozóico.

Os isótopos de Nd dos oceanos no decorrer do tempo geológico

O elemento Nd não apresenta as mesmas características geoquímicas que o Sr e conseqüentemente a evolução de Nd nos oceanos apresenta aspectos específicos. A abundância de Nd nas águas marinhas é cerca de 106 menor do que rochas (Goldenberg et al., 1963), diferentemente do que ocorre com o Na, por exemplo, que apresenta concentrações equivalentes em águas marinhas e rochas. Esta baixa concentração de Nd nas águas dos oceanos dificulta os procedimentos analíticos (Piegras et al., 1979), o que foi parcialmente resolvido pela análise de nódulos de manganês que apresentam concentrações de Nd ao redor de 1010 ppm. A similaridade da composição isotópica de Nd para nódulos de manganês e águas marinhas circundantes foi demonstrado por Piegras et al., (1979) em águas do Oceano Pacífico e por Piegras and Wassemburg, (1980) no Oceano Atlântico.

A análise utilizando isótopos de Nd demonstraram que as águas do Oceano Pacífico apresentam diferente assinatura em relação às águas do Oceano Atlântico. Estes estudos (Piegras et al., 1979; Piegras and Wassemburg, 1980) demonstraram que as águas do Oceano Pacífico apresentam valores de eNd ao redor de –5 (sugerindo influência de fontes vulcânicas de arcos insulares atuais) e as águas do Oceano Atlântico apresentam valores bem mais negativas (entre –9 e –13), sugerindo um importante componente continental. Em trabalhos posteriores, Piegras and Wassemburg (1987) identificaram variações verticais nas composições isotópicas de Nd, o que confirmou a hipótese de que as águas do Oceano Pacífico apresentam forte influência da alteração de basaltos da crosta oceânica mais jovem. Para explicar as variações isotópicas de Nd, os autores propõem para as águas do Oceano Atlântico fontes a partir dos rios Mississipi e Amazonas, como também origem eólica de partículas originadas de desertos na África e América do Norte (Tachikawa et al., 1999).

O estudo de nódulos de manganês também pode ser utilizado para o estudo de composição isotópica de Nd em oceanos antigos, a partir do pressuposto de que o crescimento dos nódulos de manganês registra as composições isotópicas das águas circundantes contemporâneas. Este estudo pode ser complementado com a utilização de carbonatos e fosfatos. Neste sentido, Shaw and Wassemburg (1985), Keto and Jacobsen, 1987 e 1988 e Staudigel et al., (1985) reportam valores de eNd para rochas com idades entre o Arqueano e o Fanerozóico, o que permitiu a construção de uma curva de evolução isotópica de Nd nas águas dos oceanos no decorrer do tempo geológico. Esta curva apresenta a parte do pré-Cambriano baseado também em amostras de formações ferríferas bandadas, sugerindo que entre 4,0 Ga e 3,0 Ga a assinatura isotópica de Nd das águas dos oceanos era concordante com a curva de evolução isotópica do manto empobrecido. Estes resultados são coerentes com a existência de poucas crostas continentais neste período e uma homogeneização mais fácil nas águas de praticamente um único oceano. A partir de 3,0 Ga as águas dos oceanos passaram a ter influência crescente de fontes crustais com valores de eNd mais negativos provavelmente durante períodos de estabilidades tectônicas (isto é, durante a existência de supercontinentes) onde a contribuição de sedimentos continentais superava a contribuição a partir de arcos insulares e crostas oceânicas jovens.

Um curioso aspecto que deve ser ressaltado nestes estudos utilizando os nódulos de manganês para caracterização das assinaturas de Nd nas águas marinhas antigas corresponde a uma anomalia de eNd no Teciário (Ling et al., 1997; Reynolds et al., 1999). Esta anomalia ocorre tanto em nódulos de manganês do Oceano Pacífico como nos do Oceano Atlântico. No primeiro, os valores de eNd eram crescentes e se tornaram decrescentes por volta de 4 Ma. Já no segundo, os valores de eNd eram estáveis e se tornaram cada vez mais negativos no mesmo período de tempo. Estas variações nos valores de eNd são interpretadas como resultado da interrupção de uma comunicação entre os dois oceanos por volta de 4 Ma. Neste sentido, sugere-se que a comunicação (provavelmente localizada onde hoje está o Canal do Panamá) permitia a passagem de águas do Oceano Atlântico (com valores de eNd mais negativos) para o Oceano Pacífico (com valores de eNd mais positivos).

Um segundo aspecto interessante sobre os isótopos de Nd em nódulos de manganês foram obtidos no Oceano Índico (Burton and Vance, 2000). Estes autores coletaram testemunhos de sedimentos Quartenários e executaram análises isotópicas de Nd em fósseis de diferentes espécies. Os valores de eNd obtidos quando lançada em diagrama versus à idade apresentou perfeita simetria com dados de s18O para as mesmas amostras. As variações de dados de s18O são interpretados como resultado de atividades animais e plantas que durante processos glaciais são mortos em grande quantidade e forma depósitos com maior quantidade de fósseis. Como os seres vivos segregam 12O e 13O de forma fracionada, os depósitos sedimentares onde eles de concentram marcam importantes anomalias de s18O. Como conclusão, Bruce and Vance (2000) sugerem que os isótopos de Nd também são sensíveis a períodos glaciais.

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