O método K-Ar

Introdução

O método de datação K-Ar envolve isótopos de elementos cuja descoberta ocorreu em tempos diferentes. O K foi isolado por Davy no início do século XIX no decorrer de estudos sobre eletrólise. O Ar foi identificado no final do mesmo século por Rayleigh e Hamsay (1895) que separaram, documentaram e denominaram este gás nobre. Foi no início do século XX que Aston (1921) através do uso do espectrômetro de massa demonstrou que o K consiste de pelo menos dois isótopos (39K e 41K). Na década seguinte definiu-se que estes dois isótopos não são radioativos e que um terceiro isótopo o 40K sofre decaimento para o 40Ca através da emissão de particula b. Porém foi Hemmendinger (1937) que separou os 3 isótopos conhecidos de K (Figura 1), confirmando que somente o 40K é o responsável pela atividade radioativa do elemento.

Figura 1. Isótopos de interesse no método K-Ar.

No mesmo ano, Von Weizsacker (1937) sugeriu que o 40K tem duas formas de decaimento para o 40Ar e para o 40Ca. Esse autor partiu da observação de que o 40Ar tem abundância 3 ordens de magnitude maior do que o Ne, Kr e Xe na atmosfera da terra. Von Weizsacker (1937) argumentou que o excesso de 40Ar na atmosfera demandava uma nova fonte de 40Ar, o qual inferiu-se ser o 40K presente nas rochas terrestres. Em adição, Bramley (1937) demonstrou que o decaimento de 40K ocorre pela emissão de raios g decorrente da captura de um elétron (Figura 2). Bramley (1937) também demonstrou a existência de emissão de raio l associado com o decaimento do 40K . Somente a partir de 1948, através do trabalho de vários pesquisadores e o estabelecimento dos conceitos básicos sobre o decaimento do 40K, foi possível obter as primeiras datações pelo método K-Ar.

Figura 2. O isótopo radioativo 40K decai para o isótopo radiogênico 40A por dois caminhos diferentes. Um caminho é através da captura de elétron e o segundo caminho é através da emissão de partícula b.

O potássio (Z=19) é um metal alcalino do Grupo 1A juntamente com o lítio, sódio, rubídio e césio. É um dos 8 mais abundantes elementos químicos na crosta da terra e é elemento constituinte maior em muitos minerais formadores de rocha, tal como, micas, feldspatos, feldspatóides, argilo-minerais e evaporitos.

Princípios do método

O decaimento natural do 40K para o 40Ar, que é estável, ocorre pela captura de elétrons e pela emissão g, resultando em 11% do decaimento pelo primeiro e 0,16% pelo segundo. Os 88,8% do 40K restantes decaem para o 40Ca através da emissão de uma partícula g . A sua aplicação para uso de datação foi inicialmente proposto por Campbell (1908).

Surgem assim dois métodos (K-Ar e K-Ca) teoricamente possíveis para datar rochas e minerais que contenham K. No entanto o método K-Ca não apresenta ampla aplicação, uma vez que na natureza a maioria das rochas comuns contém bastante Ca primário onde o isótopo de massa 40 é o mais abundante (> 97%). Esta característica limita a aplicação de determinações de idades K-Ca restritas a minerais com altíssimas razões K/Ca como as encontradas em silvita, feldspato e mica.

O método K-Ar é baseado no valor de meia-vida igual a 1250 Ma. Em um simples caso de uma rocha ígnea, o método K-Ar fornece uma idade que é igual ao tempo decorrido desde o seu resfriamento. Nas altas temperaturas do magma, o Ar contido no interior do fundido tenderá a se equilibrar com o Ar atmosférico. Entretanto com o subseqüente resfriamento da rocha o 40Ar radiogênico gerado pelo decaimento do 40K começa a acumular no interior da estrutura cristalina dos minerais. Em temperaturas ambientes uma amostra de rocha mantém o Ar radiogênico preso na estrutura cristalina em função do grande raio atômico de aproximadamente 1,9 Å. O processo de difusão do 40Ar radiogênico apenas tende a ocorrer com um reaquecimento da rocha como em um evento metamórfico posterior a cristalização original.

Conseqüentemente uma rocha que experimentou elevadas temperaturas após a cristalização pode perder o Ar radiogênico acumulado de forma parcial ou completa. A idade K-Ar, dessa forma, pode registrar (1) o tempo decorrido desde o resfriamento após a cristalização, (2) o tempo desde o resfriamento após o evento metamórfico ou (3) uma idade intermediária que reflete a difusão parcial de 40Ar radiogênico durante o metamorfismo.

O Método K-Ar fornece idades modelo (Amirkhanoff et al., 1961; Hart, 1964 Hamilton,1965; Schaefer e Zahringer, 1966; Hunziker, 1979) e idade isocrônica (Shafiqullah e Damon, 1974; Roddick, 1978), sendo a primeira mais utilizada.

Determinação de 40Ar e 40K

O Argônio por ser gás nobre não se combina com outros elementos da rocha e assim quando o potássio se desintegra, o argônio cujo raio atômico (1,9Å) é maior do que o potássio (1,33Å), fica preso mecanicamente no reticulo cristalino do mineral. Para coletar o Ar, a melhor maneira é destruir por fusão a trama reticular e recolher os vários gases que se liberam.

A fusão de uma quantidade bem conhecida do mineral (em geral da ordem de 1g ou menos), é feita num cadinho de molibidênio em ultra alto vácuo para evitar ao máximo os efeitos da presença de 40Ar do ar atmosférico (Figura 3). Durante a fusão do mineral, para se proceder aos cálculos de concentração de Ar através de diluição isotópica, é adicionada uma quantidade precisamente conhecida do traçador 38Ar. Os gases que se libertam durante a fusão da amostra são muitos e variados, entre eles destacam-se: Ar, H2O, H, CO2, F, Cl, Li, Fe, K, etc. Os elementos metálicos ou sólidos condensam-se nas paredes de garrafa onde a fusão é executada, enquanto os gases ativos precisam ser separados do Ar.

Esta limpeza do Ar é realizada de forma a fazer o gás extraído da fusão passar através (1) de zeólitas para retirar a água, (2) forno de Cu-CuO que por ser um oxidante enérgico a 800ºC transforma o H em H20 e o CO em CO2, (3) forno de Ti em que os gases ativos H2 e N2 são retidos á temperatura de 850ºC. Sobram assim somente os gases inertes como Ar, Ne, He, etc onde os isótopos de Ar não se confundem isobaricamente no espectrômetro de massa, podendo assim ser medidos facilmente.

Figura 3. Linha de fusão e extração de argônio. F = forno; S = recepiente com traçador; Cu-CuO = forno de cobre; T = fitro; C1 e C2 = carvão ativado; Ti = forno de titânio; C3 = coleta final da amostra de argônio; MV = controlador de pressão; V1 e V2 = vávulas.

Figura 4. Diagrama mostrando a proporção entre o argônio radiogênico, o argônio atmosférico e o argônio utilizado como traçador (38Ar). O valor do argônio atmosférico deve ser subtraído do valor de argônio total para efeito de cálculo de idade.

O Ar purificado constituído por uma mistura de radiogênico, atmosférico e traçador é introduzido diretamente (on line) ou indiretamente (através de coletores) no espectrômetro de massa de fonte gasosa (Figura 5). Após a introdução total do Ar, que requer cerca de 30 a 40 segundos, a válvula de admissão é fechada e imediatamente se procede à varredura eletromagnética que abrange todas as 3 massas do Ar (Figura 4). Essa varredura é repetida cerca de 8 a 10 vezes para se obter por interpolação em tempos adequados para as razões 40/38 e 38/36. A partir da concentração conhecida do traçador 38Ar introduzido, é determinada a quantidade de 40Ar radiogênico. Este valor ainda deve ser corrigido do 40Ar atmosférico para se efetuar o cálculo da idade (Harper, 1970; Hayatsu e Carmichael 1977).

Figura 5. Espectrômetro de massa de fonte gasosa utilizado para a análise de composição isotópica de Ar.

            A abundância do 40K na amostra a ser datada, por sua vez, é realizada através da técnica de fotometria de chama (Figura 6). O procedimento inclui a dissolução em ácido de uma alíquota da amostra que foi fundida para a coleta de 40Ar. Após a dissolução a amostra desconhecida é analisada no fotômetro de chama (utilizando o gás propano-butano) juntamente com 2 padrões com valores de K conhecidos. O primeiro padrão deve ter K em quantidade menor que a amostra desconhecida e o segundo padrão deve ter K em quantidade maior, de forma a se obter uma curva de calibração que permita a obtenção da quantidade de K de forma mais precisa possível. A partir dos resultados obtidos pelo espectrômetro de chama (razões entre os isótopos de Ar) e o espectrômetro de chama (teor de K) é possível calcular a idade da rochas pela equação da Figura 7.

Figura 6. Fotômetro de chama e um exemplo de curva de calibração para cálculo de concentração de K analisado por fotometria de chama.

Figura 7. Equação fundamental da geocronologia aplicada ao método K-Ar.

Requisitos para o uso do método K-Ar

Assume-se alguns pressupostos que devem ser totalmente preenchidos para a correta aplicação para a obtenção de idades pelo método K-Ar. A validade da idade obtida e suas conseqüentes interpretações depende de se assumir que :

1 – Nenhum 40Ar radiogênico produzido pelo decaimento de 40K em um mineral durante seu tempo de vida tenha escapado.

2 – O mineral se tornou um sistema fechado para o 40Ar logo após sua formação, o que significa que ele deve ter resfriado rapidamente após a cristalização, a não ser que ele tenha se formado à baixa temperatura.

3 – Nenhum 40Ar foi encorporado no mineral tanto no período de sua formação como durante eventos metamórficos posteriores.

4 – Uma apropriada correção é feita para a presença de 40Ar atmosférico.

5 – O mineral se comportou como um sistema fechado para o K no decorrer da sua história geológica.

6 – A composição isotópica do K é normal e não foi modificada por fracionamento ou qualquer outro processo, exceto pelo decaimento de 40K.

7 – As constantes de decaimento do 40K são conhecidas precisamente e não foram afetadas por condições físicas e químicas no ambiente em que o K tenha existido.

8 – As concentrações de 40Ar e 40K foram determinadas com precisão.

Vantagens e desvantagens do método K-Ar

O método K-Ar passou rapidamente do estágio pioneiro especulativo (onde os resultados obtidos ainda eram contraditórios) para um estágio de interpretações mais seguras com o fornecimento inequívoco de resultados geologicamente significantes. Este rápido avanço se apoiou na facilidade de que a grande mauiria dos minerais formadores de rocha tem na sua estrutura, potássio em quantidades suficientes para o seu uso como relógio geológico. A meia-vida do K permite a utilização deste método para meedir idades desde 100.00 anos até idades como a da idade da Terra (4,55 Ga).

Outra feliz vantagem do método K-Ar ocorre em função de que o produto do decaimento do K é um gás nobre (Ar) que não reage com outros elementos e é facilmente extraído da rocha hospedeira. Desta forma pode-se ter por pressuposto que todo Ar presente na rocha foi formado a partir do decaimento do K (ou todo o Ar é radiogênico). Por causa dstas características físicas o método K-Ar é muito importante para solucionar problemas geológicos como: resfriamneto gradual de faixas móveis. Elevação de cadeias de ontanhas, denudação, efeitos térmicos associados a eventos termo-tectônicos.

A principal desvantagem do método K-Ar é a impossibilidade de se utilizar os feldspatos para realizar medições de idades uma vez que estes minerais permitem a passagem do Ar por entre os retículos cristalinos mesmo a temperatura ambiente.

O método geocronológico K-Ar foi o primeiro a ser instalado no Brasil na década de 1960 (Amaral et al., 1966; Amaral 1967, 1978) e tem sido utilizado em problemas geológicos no Brasil desde então (Sonoki e Garda, 1988, Torquato et al., 1986; Mizusaki et al. 1990)