Diluição isotópica

Os métodos geocronológicos foram descobertos e sofreram modificações acompanhando a evolução do conhecimento e o desenvolvimento de equipamentos mais precisos e novas técnicas laboratoriais. Desta forma, a evolução dos procedimentos analíticos para fins de datação tiveram modificações que acompanharam o conhecimento e os equipamentos disponíveis em um dado período.

A classificação dos métodos geocronológicos (método que direta ou indiretamente contribui para a obtenção de uma idade isotópica) pode ser feita em função do tipo de instrumental envolvido. Os principais métodos segundo o modo de análise são: métodos químicos e métodos físicos.

O desenvolvimento dos métodos físicos pode ser dividido nos método por decaimento e por acumulação. Os métodos por decaimento levam em conta a curva de decaimento do elemento radioativo com a utilização de espectrômetros Alfa ou Beta e o que se mede é a quantidade de radionuclídeo remanescente na amostra. Neste caso os exemplos citáveis são o radiocarbono ou 14C e o método do desequilíbrio do urânio, entre outros. Em todos esses métodos, por envolverem radionuclídeos de meia-vida menores do que cerca de 250.000 anos, o seu alcance é restrito para valores da ordem de 1 Ma ou menores.

Os métodos de acumulação, por sua vez, são baseados na determinação da quantidade de nuclídeos radiogênicos acumulados. Estes métodos dependem da utilização da espectometria de massa o que só veio a se tornar comum nos laboratórios de geocronologia a partir da década de 1930, após a publicação de Chastagner (1913) envolvendo análises de Pb e outros elementos. Esses métodos levam em conta as constantes de decaimento dos respectivos isótopos radioativos. Entre eles pode-se citar o K-Ar, K-Ca, Rb-Sr, U-Pb, Th-Pb, Pb-Pb, Sm-Nd, Re-Os e Lu-Hf.

A aplicação da técnica de diluição isotópica para cada um destes decaimentos pode ser encontrada em trabalhos publicados nos períodos iniciais do desenvolvimento dos respectivos métodos geocronológicos. Como exemplo pode-se citar Long (1966), Boelrijk (1968), Krough e Hurley (1968), Dodson (1970), Gale (1970), Russel (1971, 1977), Faure e Powel (1972), Cummings (1973), Moore et al., (1973), Wasserburg et al. (1981), Hamelin et al., (1985), Powel et al., (1998), Galer (1999) e Thirlwall (2000). No Brasil a técnica foi descrita de forma mais completa no trabalho de Kawashita e Torquato (1991).

Procedimentos analíticos

Os procedimentos analíticos desenvolvidos a partir da utilização da espectometria de massa necessitam utilizar a diluição isotópica de forma a se obter medidas quantitativas dos isótopos de interesse. Desta forma a introdução da diluição isotópica veio permitir que além das razões isotópicas, informações sobre a abundância real de um ou mais isótopos de um composto químico ou elemento isolado.

A técnica da diluição isotópica baseia-se na adição de uma certa quantidade, rigorosamente conhecida, de um traçador ou spike de abundância isotópica totalmente diferente da abundância isotópica do elemento a medir, em uma quantidade igualmente conhecida do composto químico ou elemento que se pretende determinar a abundância. A técnica é um processo analítico muito sensível que tem a particularidade única de uma vez feita a mistura, qualquer alíquota representativa da mesma ser suficiente para uma determinação quantitativa com precisão geralmente melhor que 0,5%.

Uma maneira prática de ver o funcionamento desta técnica é imaginar um recipiente cheio de feijões pretos em quantidade desconhecida (Figura 28). Se nele for adicionado um numero rigorosamente conhecido de feijões brancos e homogeneizada a mistura, basta retirar uma alíquota da mistura, contar os feijões brancos e pretos presentes e, a partir do número inicial de feijões brancos, uma simples regra de três permite calcular o número de feijões pretos.

A utilização da diluição isotópica em estudos nucleares e isotópicos se tornou praticamente universal nas décadas de 1970 e 1980 por se mostrar uma ferramenta extremamente pratica e única em vários campos de aplicação analítica entre eles a geocronologia. O volume ideal de traçador a ser diluído na amostra desconhecida corresponde ao valor em moles na proporção 1:1 em relação com a quantidade em moles da amostra desconhecida. Como este segundo valor é desconhecido, a quantidade de traçador é definida por estimativa, sendo que se esta estimativa estiver errada, os procedimentos devem ser repetidos para aproximar o valor em moles do traçador com a amostra desconhecida. Na Figura 29 observa-se que os resultados finais tem errpos menores quando a estimativa do traçador é correta.

Figura 1.
Visualização do princípio da diluição isotópica com o balde de feijões. Na técnica de diluição isotópica depois de adicionado o traçador à amostra desconhecida, qualquer alíquota desta solução pode ser utilizada para se descobrir a concentração do elemento de interesse.

Procedimento típico da diluição isotópica

Os passos iniciais da diluição isotópica deve levar em conta a necessidade, a patir de um certo momento, de um espectrômetro de massa. Os procedimentos podem ser assim resumidos:

Passo 1: Uma porção da amostra a ser analisada é dissolvida em solvente apropriado. Por vezes, no caso de silicatos, é necessário fazer uso de etapas de solubilização (com ácido fluorídrico) para se obter a dissolução completa.

Passo 2: Uma quantidade bem conhecida de um traçador (um isótopo do elemento em questão) é diluída ao resultado da etapa 1.

Passo 3: A mistura (amostra + traçador) é homogeneizada.

Passo 4: O elemento de interesse é extraído quimicamente através do uso de colunas de troca iônica com o objetivo de se evitar isóbaros interferentes de outros elementos.

Passo 5: Determinam-se, com o espectrômetro de massa, as razões isotópicas do elemento em estudo. A composição isotópica obtida nesta última etapa permite o cálculo da concentração do elemento da amostra original.

Em princípio a técnica de diluição isotópica só pode ser utilizada para elementos que apresentem mais de um isótopo com é o caso do urânio. No entanto, no caso de elementos monoisotópicos, pode-se obter um segundo artificialmente através do uso de reatores nucleares.

Vantagens e desvantagens da diluição isotópica

A principal vantagem da técnica da diluição isotópica é por ela ser absoluta e não requerer calibração com amostras de concentração conhecidas. Se a concentração do traçador for calibrada usando o mesmo espectrômetro que será utilizado nas medidas das misturas, a discriminação do aparelho será cancelada uma vez pode ser considerada igual.

Outro aspecto vantajoso desta técnica é que qualquer tipo de espectrômetro de massa pode ser utilizado uma vez que a técnica envolve apenas razões isotópicas. Em adição, se o traçador tiver a qualidade de ter composição isotópica bastante diferente da amostra a ser analisada, a acuracidade da análise é maior.

Em contrapartida a técnica apresenta a desvantagem de exigir todos os procedimentos analíticos apenas para alguns elementos de cada vez. Outras desvantagens da técnica é a sua sensibilidade aos problemas de contaminação e o número limitado de elementos passíveis de serem analisados por esta técnica.

Tabela 1. Elementos analisáveis por diluição isotópica.

Figura 2.
Diagrama mostrando a otimização da quantidade de traçador a ser utilizado em uma análise por diluição isotópica.

Tipos de traçadores

Praticamente todos os isótopos aplicáveis na geocronologia são disponíveis comercialmente. No caso de elementos polisotópicos como Sr, Sn, Pb e Nd são disponíveis vários isótopos desses elementos e com diferentes graus de enriquecimento que podem ser utilizados como traçadores. O melhor traçador é aquele que apresenta composição isotópica o mais diferente possível em relação aos isótopos presentes na amostra a ser analisada . Embora seja possível obter alguns traçadores com estas características, como no caso do Th, Pb e U que são de interesse na geocronologia, existem algumas restrições relativas a disponibilidade e custo. Assim a escolha do traçador deve ser considerada em termos de restrições e outras particularidades como interferências isobáricas e possíveis dificuldades nas correções devidas ao fracionamento isotópico.

Tabela 2.
Traçadores disponíveis (comercialmente, com valores sujeitos a variações) para o desenvolvimento de análises por diluição isotópica.

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